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STJ concede salvo-conduto para pacientes cultivarem Cannabis com fim medicinal

STJ concede salvo-conduto para pacientes cultivarem Cannabis com fim medicinal

29/6/2022

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão proferida por unanimidade no último dia 14 de junho, concedeu salvo-conduto para que três pessoas cultivem a planta Cannabis para fins medicinais/terapêuticos. Vale salientar que a decisão, embora restrita aos casos julgados, pode servir como base de orientação para outros magistrados, de instâncias inferiores, para que julguem nesse mesmo sentido.

É importante esclarecer que o salvo-conduto é um instrumento jurídico que garante que os envolvidos não sejam responsabilizados criminalmente pelo plantio, já que é considerado uma excludente de ilicitude.

Nos casos em referência, discutidos através do RHC 147169, o salvo-conduto foi concedido a três pacientes que já usavam o Canabidiol e, inclusive, já tinham autorização concedida pela Anvisa para importar o produto , no entanto, precisaram solicitar a permissão para o plantio, a fim de garantir a continuidade do tratamento, tendo em vista o elevado custo da importação.

De acordo com notícia veiculada pelo próprio STJ (STJ dá salvo-conduto para cultivo de Cannabis com fim medicinal), das três pessoas que receberam o salvo-conduto: uma utilizava o Canabidiol para o tratamento de transtorno de ansiedade e insônia; outra para sequelas do tratamento de câncer, e outra para insônia e ansiedade generalizada.

Convém mencionar que, em 2021, a Quinta Turma do STJ havia negado salvo-conduto pleiteado à época, o que abriu um precedente que culminou em diversas decisões por todo o país no mesmo sentido – denegatório. No entanto, com essa nova decisão proferida pela Sexta Turma, é esperado uma mudança de paradigma na questão, que aponta para uma melhora na realização do direito à saúde.

Ademais, adentrando a esfera legislativa, temos a  LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006, popularmente conhecida como Lei Antidrogas, que estabelece que a União pode autorizar o plantio de Cannabis, desde que para fins medicinais ou científicos, em local e prazo determinados e mediante fiscalização. No entanto, na prática, isso não tem sido explorado, seja por falta de uma regulamentação mais detalhada ou por conta da repressão enfrentada pelo tema.

A fim de promover e ampliar o acesso a produtos derivados de  Cannabis, em 11.12.2019,  a Anvisa publicou a RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC Nº 327, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2019, que dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais e para uso próprio.

Além da RDC acima, a Agência havia colocado em consulta pública uma proposta de Resolução para tratar justamente do cultivo de Cannabis. Contudo, por conta de forte pressão sofrida pela Anvisa, sob a alegação de que ela precisaria de delegação de competência para permitir e regulamentar o plantio de Cannabis, a proposta foi arquivada por decisão da maioria de Diretores da Agência.

Por outro lado, a aprovação da RDC n° 327/2019, permitiu a entrada no mercado nacional de Produtos de Cannabis devidamente submetidos ao crivo da Anvisa nos termos da referida RDC. Atualmente, 19 Produtos de Cannabis receberam Autorização Sanitária, podendo assim serem comercializados pelas farmácias e drogarias.

Referida RDC será muito provavelmente objeto de revisão pela Anvisa, ainda no curso de 2022, gerando grande expectativa por todos os interessados (pacientes e indústria).

Além disso, cabe mencionar que a Agência dispõe, desde o ano de 2015, de normativa especifica que visa facilitar a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física e para uso próprio, mediante prescrição de profissional habilitado, estando o tema atualmente regulado pela RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC Nº 660, DE 30 DE MARÇO DE 2022, que revogou a RDC Nº  335 de janeiro de 2020.

Não obstante os avanços acima destacados, os procedimentos regidos pelas normas vigentes tendem a ser custosos e, por consequência, acabam por não atender a necessidade da população, resultando na judicialização do tema e levando o judiciário a proferir decisões como a do salvo-conduto ora comentada.

Outrossim, é possível acompanhar as compras governamentais feitas, por meio dos Extratos de Dispensa de Licitação publicados no DOU para a aquisição de Óleo de Canabidiol, justificados pela necessidade de cumprimento de ações judiciais (segue aqui um exemplo recente).

Não menos importante é a discussão hoje existente na Câmara dos Deputados, através do PL 399/2015 que, embora não seja o único em discussão sobre o tema, a sua relevância está no seu detalhamento sobre o assunto. O texto original visava apenas alterar o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, acima tratada, para viabilizar a comercialização de medicamentos com extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação.

Entretanto, um substitutivo ao PL  399/2015 foi adotado de tal forma que o tema passou a ser melhor abordado, passando o PL em questão a ter como ementa o marco regulatório da Cannabis spp. no Brasil. Com essa nova redação, a proposição prevê a possibilidade da realização de atividades de cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, manipulação, comercialização, importação e exportação de produtos à base Cannabis spp., para fins medicinais, científicos, veterinário e uso industrial, tendo sido proposto que a produção e comercialização de medicamentos e produtos de Cannabis para uso medicinal e humano fique sob a responsabilidade do órgão sanitário federal responsável pela análise e autorização, enquanto que os produtos para uso veterinário sejam de responsabilidade do órgão agrícola federal.

Por fim, caso aprovado pelas duas casas (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e sancionado pelo Presidente da República, estima-se que o Projeto possibilite, além do avanço de estudos relacionados ao tema, que novos medicamentos à base de Cannabis cheguem ao mercado nacional, permitindo maior acesso à população e garantindo a qualidade, segurança e eficácia dos produtos, tendo em vista o acompanhamento de todas as etapas de sua produção pelas autoridades competentes.

Coautoria de: Marcos Silva Santiago e Sueli de Freitas Veríssimo Vieira

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