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A prática de fixação de preços de revenda pelo fornecedor vista pelo CADE

A prática de fixação de preços de revenda pelo fornecedor vista pelo CADE

Na 133ª Sessão de Julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), realizada em 07 de novembro de 2018, o Tribunal do CADE homologou o Termo de Cessação de Conduta (TCC) proposto pela AleSat Combustíveis (AleSat) no qual a distribuidora se comprometeu a pagar cerca de 48,6 milhões de reais para encerrar as investigações em trâmite no órgão.

O acordo, primeiro celebrado envolvendo uma distribuidora1 no mercado de combustíveis, foi firmado no âmbito de Processo Administrativo nº 08700.010769/2014-64, que investiga supostas práticas de formação de cartel, influência de conduta comercial uniforme e fixação de preços de revenda nos mercados de distribuição e revenda de combustíveis automotivos em Belo Horizonte/MG e municípios vizinhos, entre outubro de 2006 e julho de 2008.

A investigação teve início a partir de representação oferecida em abril de 2007 pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, a partir de indícios de que os representados teriam se organizado para fixar e uniformizar preços, com o objetivo de elevar os lucros e eliminar a concorrência.

A celebração do TCC proposto pela AleSat é mais uma etapa importante na construção da jurisprudência no âmbito do Cade envolvendo a fixação de preço de revenda. No âmbito concorrencial, a fixação de preço de revenda é considerada um ilícito previsto no artigo 36, caput, § 3º, inciso IX, por meio da qual há a imposição, pelo fornecedor, do preço de revenda de seus produtos a serem implementados pelos distribuidores ou pontos de venda.

Observa-se que o que a lei pretende coibir não é a pactuação de contratos entre revendedores e distribuidores, o que por si só é legítima, já que a relação é necessária para viabilizar o fornecimento de insumos e produtos finais. O que se questiona, entretanto, é a existência de mecanismos de coação na formação dos preços advindos dessas relações, como forma de obrigar revendedores a seguirem decisões tomadas por distribuidores, cujo efeito é a restrição da autonomia da vontade dos distribuidores.

Há quem defenda que a prática deveria ser considerada ilícita per se, ou seja, ilícita pelo próprio objeto, sem margem para defesa baseada em eficiências específicas. Há, também, aqueles que defendem que a conduta deveria ser considerada ilícita se, após análise dos seus possíveis impactos, os efeitos anti-concorrenciais forem superiores às eficiências dela oriundas, utilizando a regra da razão.

A jurisprudência no âmbito do CADE ainda é recente. O primeiro caso analisado pelo Tribunal, o Caso Kibon, investigava o uso de tabelamento de preços de revenda de sorvetes. Nesta oportunidade, o CADE concluiu que a ilicitude da conduta requeria a imposição de um sistema de coação que obrigasse o revendedor a praticar determinado preço estipulado pelo fornecedor. A mera sugestão de preços, sem monitoramento e controles por parte dos fornecedores foi compreendida como lícita. Além disso, o Tribunal entendeu que a sugestão do preço de revenda seria benéfica do ponto de vista da concorrência intermarcas (entre a Kibon e outras marcas), o que superaria qualquer preocupação com a concorrência intramarcas (entre os revendedores da Kibon), um dos efeitos da fixação de preço de revenda por parte do fornecedor.

Mais recentemente, em 2013, o CADE, por 3 votos a favor e 2 contrários, condenou a empresa SKF do Brasil, atuante no setor de rolamentos, a multa de 1% do faturamento registrado em 2000 – ano anterior à abertura do processo -, por ter fixado um patamar mínimo de preço para a revenda de produtos por sua rede de distribuidoras.

Nessa oportunidade o CADE condenou a prática, afirmando que a conduta merecia ser tratada como uma infração per se, pelo objetivo, e não através da análise dos efeitos produzidos. Haveria, assim, uma presunção relativa quando à ilicitude da fixação de preços, que poderia apenas ser afastada se houvesse a comprovação de eficiência econômica por ela gerada, inalcançável por outro meio.

Em 2014, o CADE condenou as empresas Shell Brasil Ltda. (atual Raizen Combustíveis S.A.) e Odon de Oliveira Mendes, por unanimidade, por influenciarem os postos que adquiriam seus combustíveis a manter preços uniformes nas bombas, impedindo inclusive o uso de promoções pelas unidades das quais a Raízen/Shell era fornecedora.

Segundo o Conselheiro Relator Alessandro Octaviani Luis, para averiguar se uma determinada conduta foi direcionada à padronização de preços dentro de uma cadeia produtiva, se operacionalizaria uma presunção relativa quanto à sua ilicitude. Por meio dela, dá-se a oportunidade de o acusado opor-se à presunção, demonstrando que a restrição vertical atribuída a seu comportamento seria, tão somente, uma “conduta acessória, necessária, proporcional e essencial ao atendimento de um objeto principal lícito”, analisando a conduta a partir pelos seus efeitos e não pelo objeto.

Neste caso, as Representadas alegavam que a fixação de preços sugerida pelos fornecedores, não possuiria caráter imperativo nas diretivas repassadas aos revendedores, uma vez que a ideia era sugerir e não impor o preço de revenda do combustível.

Segundo o Relator, esta hipótese não se configuraria na prática pois, existiria um poder direto de retaliação da Shell sobre o posto revendedor, que permite à distribuidora ter controle sobre nível de preço dos produtos distribuídos e sobre os ativos usados pelo revendedor, como os terrenos locados e sublocados em que funcionam os postos revendedores. Assim, há a possibilidade de a distribuidora, por exemplo, exigir a devolução dos ativos de sua propriedade, medida coercitiva contra revendedores que eventualmente viessem a desobedecer às ordens da empresa.

Não por outra razão, compreendeu-se que não existiria, neste caso, eficiência econômica capaz de demonstrar a licitude da prática. Não teria sido possível observar, nenhuma outra preocupação nas discussões de preço entre fornecedores e distribuidores “que não a pura e simples distorção da livre-concorrência”. Não existiria, por exemplo, qualquer preocupação com a qualidade do serviço ou a tutela da marca da distribuidora, mas apenas a expressa intenção de se “acompanhar os preços do mercado”, evitando-se qualquer redução desse patamar.

Como se pode observar, a jurisprudência deste tema pelo CADE ainda está em construção: as razões para condenação e arquivamento nos casos já analisados pelo CADE foram distintas e casuísticas, ora contando com a análise a partir da teoria dos efeitos, ora a partir da teoria da ilicitude pelo objeto.

É difícil, portanto, avaliar e prever como a presunção da ilicitude da conduta será analisada pelo Tribunal em novos casos envolvendo a fixação de preço de revenda. De todo modo, é possível afirmar que as práticas de fixação de preço de revenda, em todos os casos de condenação, contaram com métodos impositivos de alguma coação por parte dos fornecedores aos revendedores: a mera sugestão de tabelamento ou a sugestão de preço máximo de revenda não tem sido considerada suficiente para configurar a conduta como um ilícito do ponto de vista concorrencial.

 

 

¹Apenas em 2017, o CADE celebrou cinco TCCs com outros investigados no suposto cartel de combustíveis. As prestações pecuniárias estipuladas, somadas, chegam a cerca de R$ 12 milhões. Foram firmados acordos com Sindicados e Postos de Gasolina, tais como: Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais (Minaspetro), Organizações Novo Belvedere, CCA Comercial de Combustíveis Automotivos, Posto Mangabeiras, Posto Aeroporto, Posto Buritis, Posto Parada Obrigatória, Posto de Combustível Lubrimil Ltda, Posto Aeroporto, Posto Grajaú Ltda., Posto Mustang Ltda., Posto Ouro Fino Ltda., Posto Ponte Nova e Posto Trovão, além de cinco pessoas físicas.

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