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Decreto da Alerj joga incerteza sobre leilão da Cedae, previsto para esta sexta

Decreto da Alerj joga incerteza sobre leilão da Cedae, previsto para esta sexta

Folha de S. Paulo
29/4/2021

Alerj aprovou decreto suspendendo concessão, mas governo garante realização da concorrência

Por – Nicola Pamplona

A tentativa da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) de barrar o leilão de concessão de serviços de água e esgoto no estado amplia o ambiente de incerteza sobre o projeto, que já vinha sendo questionado na Justiça por trabalhadores e pelos próprios deputados.

Advogados ouvidos pela Folha acreditam que o leilão será realizado, mas não descartam a possibilidade de judicialização posterior, como ocorreu após a oferta de aeroportos pelo governo federal, quando discussão sobre a manutenção do aeroporto de Manaus no bloco concedido teve que ser resolvida pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Até a noite desta quinta (29), o governo do Rio mantinha o leilão para esta sexta (30), apesar da aprovação de decreto na Alerj suspendendo o evento um dia antes de sua realização. A assembleia, por outro lado, diz que sua procuradoria ainda analisava a legalidade da decisão do governador interino Cláudio Castro (PSC).

A concessão da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) é celebrada pelo governo como o maior projeto de infraestrutura do país, com outorga mínima de R$ 10,6 bilhões e cerca de R$ 30 bilhões em investimentos previstos para atender 13 milhões de pessoas.

Na terça (27), quatro consórcios se habilitaram na B3 para participar da disputa, que envolve quatro diferentes blocos de concessões, todos eles compostos por uma região da capital e cidades do interior.

Em evento na B3 durante a tarde, o ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, destacou que as propostas já foram entregues e, por isso, não via impactos do decreto da Alerj sobre o interesse dos investidores.

Ele questionou a oposição ao projeto, lembrando que nos últimos anos a região metropolitana do Rio vem sofrendo com a má qualidade da água, provocada pela proliferação da substância geosmina. “E ainda tem gente que defende isso.”

A oposição ao projeto na Alerj, porém, reúne partidos de diferentes campos políticos e foi comemorada desde o PSOL ao PSDB. Enquanto os primeiros defendem que a concessão terá impacto nos empregos, os segundos alegam que o leilão só deve ocorrer após renovação da adesão do estado ao regime de recuperação fiscal.

Durante a votação do decreto legislativo para suspender a concessão, manifestantes se reuniram em frente à Alerj, região que já havia sido palco de confrontos quando a proposta foi aprovada pelo então governador Luiz Fernando Pezão, em 2017, como condição para receber socorro federal.

“É provável que o leilão ocorra porque as propostas já foram depositadas, mas nada impede uma disputa judicial depois”, diz o advogado Paulo Dantas, sócio do escritório Castro Barros Advogados. “Para as empresas que participam ficar com essa insegurança é muito ruim.”

Para a advogada Patrícia Agra, do escritório LO Baptista, a iniciativa da Alerj amplia o custo político das concessões. “Um dos custos da aquisição da Cedae é justamente o excesso de politização. E, agora, é como se Alerj tivesse dado uma liminar suspendendo [a oferta].”

“Nos tempos atuais a insegurança jurídica infelizmente se tornou a regra, com falta de definição das competências das instituições”, concorda o vice-presidente corporativo da Swot Global Consulting, Augusto de Barros Figueiredo, que classificou a decisão da Alerj como “tática de guerrilha”.

O decreto legislativo suspendendo a licitação foi aprovado com 34 votos a favor e 22 contra, em uma derrota para a base governista, que foi reforçada pela exoneração de deputados que ocupavam cargos no Executivo estadual.

“A votação entra no rol das votações históricas do parlamento fluminense”, disse após a sessão o deputado estadual Luiz Paulo (PSDB). “Corremos o risco de perder a Cedae e não aderir ao regime [de recuperação fiscal].”

O projeto determina que a concessão só seja licitada após a prorrogação do pacote de socorro assinado pelo estado com o governo federal em 2017, que venceu no fim de 2020 mas não foi prorrogado. O Rio mantém o benefício de não pagar sua dívida com a União por liminar do STF.

Os deputados do Rio reclamam que, agora, o Minstério da Economia oferece ao estado condições menos favoráveis, que constam da nova lei de recuperação fiscal aprovado em janeiro. Para o presidente da Alerj, André Ceciliano, são “regras muito mais draconianas” e “que inviabilizam qualquer administração pública”.

Logo após a aprovação do decreto legislativo, o governador interino publicou em edição extraordinária do Diário Oficial um novo decreto defendendo que a competência para conceder os serviços é dos municípios e, por isso, a decisão da Alerj invade a autonomia administrativa de outros entes.

“O Decreto Legislativo recém-aprovado cria para o Governo do Estado uma obrigação que ele não pode cumprir, já que não é o titular do serviço público a ser concedido”, disse, em nota, o governo estadual, alegando que ele apenas conduz o processo a pedido dos municípios.

A concessão da Cedae vinha enfrentando também uma guerra judicial às vésperas do leilão: duas liminares inviabilizando a concessão já foram concedidas e derrubadas pelo governo. A segunda caiu nesta terça, um dia após ser concedida a sindicatos de trabalhadores.

Na avaliação do governo, a decisão do STF que derrubou a segunda liminar elimina os riscos de novos questionamentos judiciais, ao determinar a suspensão de qualquer decisão judicial contra a realização do leilão em instâncias inferiores.

Governos federal e estadual e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) defendem que o processo de concessão, além de necessário para garantir a universalização dos serviços de água e esgoto no estado, terá forte impacto na geração de emprego e renda nas áreas atendidas.

Nos cálculos do BNDES, serão ao menos 45 mil empregos durante as obras de expansão da rede. A Abcon/Sindcon (Associação Brasileira e Sindicato Nacional das Concessionárias de Serviços de Água e Esgoto) estima impacto econômico de R$ 47 bilhões, com efeitos principalmente na indústria, e a geração direta e indireta de 402 mil empregos.

Em nota defendendo a concessão, a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) ressalta que 5,6 milhões de pessoas no estado não têm acesso a esgoto. No ritmo atual de investimentos, diz, seriam necessários 140 anos para atender essas pessoas. “Isso é imoral. É inaceitável”, afirma.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/04/decreto-da-alerj-joga-incerteza-sobre-leilao-da-cedae-previsto-para-esta-sexta.shtml

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