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A importância do acordo de sócios

A importância do acordo de sócios

1/7/2021

A situação global de pandemia causada pela COVID-19 trouxe sérios impactos na economia mundial, especialmente no Brasil, afetando empresas e empreendimentos de forma muito relevante. O comportamento da comunidade de consumidores mudou drasticamente, e as empresas tiveram que se adaptar rapidamente a tais mudanças.

Alguns mercados e áreas de atuação foram fortemente suprimidos e sufocados com as normas de restrição de circulação e funcionamento comercial impostas por diversos governadores de Estado e pelo comportamento da grande maioria de consumidores que voluntariamente se mantiveram em isolamento.

Ao mesmo tempo, diversas empresas prosperaram nesse cenário. A pandemia e as restrições de quarentena trouxeram grandes perdedores, mas também grandes ganhadores – especialmente empresas na área de tecnologia, informática, e-commerce, transporte e entregas, mercados varejistas e supermercados, e outras.

Inúmeras oportunidades de negócios aparecem durante uma crise, especialmente para inovações disruptivas com aplicação de tecnologia. E com novos investimentos e novos empreendimentos surgem novos riscos, muitos dos quais podem ser preventivamente evitados.

Uma nova empresa – seja uma startup, uma franquia ou um empreendimento convencional com algum diferencial de mercado – invariavelmente envolve pessoas, que se associarão como sócias em colaboração para um objetivo econômico. Este relacionamento societário será muito mais complexo e amplo do que as cláusulas de um estatuto social ou contrato social conseguirão regular.

E a melhor forma de regular o relacionamento e convício entre os sócios ou acionistas de uma empresa é a pactuação de um Acordo de Acionistas (no caso de uma Sociedade por Ações) ou Acordo de Sócios (no caso de uma Sociedade Limitada). É um instituto previsto no artigo 118 da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76), muito utilizado nos dias de hoje.

Apesar de sua importância ser indiscutível, muitos investidores e empresários experientes deixam de utilizá-lo, e passam a incorrer em riscos e litígios que poderiam ser facilmente evitados. A importância do Acordo de Sócios está precisamente em estabelecer regras, de forma prévia, que nortearão o relacionamento dos sócios nas diversas questões da empresa, antecipando aquilo que seria uma discussão futura e assim evitando desgastes e embates entre os sócios.

Com regras e ajustes previamente negociados, muitos possíveis conflitos que corriqueiramente acontecem no dia a dia dos negócios jamais existirão, resultando em mais tranquilidade e previsibilidade para o funcionamento da empresa.

Nesse sentido, muitas pessoas se perguntam o porquê assinar um Acordo de Sócios/Acionistas e, ainda, se é possível colocar as cláusulas no contrato/estatuto social.

De um modo geral, a importância do Acordo de Sócios ou de Acionistas é enorme, pois, como já dito, reduz drasticamente a possibilidade de conflito e embate entre os sócios, e resolve preventivamente questões de atrito e disputas que corriqueiramente ocorrem no mundo das empresas. Traduzindo-se para uma linguagem mais mercantil: mais estabilidade para a gestão da empresa, e menos eventos que tirariam o foco do “core business”, e, portanto, menos despesas com disputas e litígios – muitos dos quais podem resultar na aniquilação da empresa.

Quanto a possibilidade de inclusão das cláusulas de um acordo de sócios ou de acionistas no contrato/estatuto social, isso é altamente desaconselhável.

Em primeiro lugar, o Acordo de Sócios ou de Acionistas tratará de questões delicadas e do relacionamento pessoal dos sócios ou acionistas – portanto, de interesse desses, e não de terceiros estranhos à sociedade. A confidencialidade dessas cláusulas pode evitar que terceiros usem tal conhecimento para obter alguma vantagem em relação à empresa ou algum sócio em particular.

O Acordo de Sócios ou de Acionistas visa preservar o bem comum, colocando a empresa em primeiro lugar em oposição à vontade isolada de um ou mais sócios.

Outra razão para evitar-se incluir tais cláusulas no contrato/estatuto social é de ordem mais prática. O contrato social é instrumento público, registrado no Registro de Empresas (Juntas Comerciais), e funciona como um tipo de certidão de nascimento da empresa – e assim será entregue para todas as partes de uma relação econômica com a sociedade, tais como bancos e instituições financeiras, clientes e fornecedores, e órgãos da administração pública, especialmente para licenças e alvarás.

Um contrato/estatuto social muito volumoso, com diversas clausulas de limitação de ação por parte de sócios e administradores, ou muitos detalhes sobre o funcionamento da sociedade poderão trazer lentidão desnecessária – ou até impedimentos – no relacionamento da empresa com tais órgãos da administração pública, ou com seus clientes e fornecedores.

Assim, um contrato mais enxuto, contendo as cláusulas e regras mínimas suficientes para o funcionamento saudável da empresa é a providência mais aconselhável.

Entenda as principais disposições de um Acordo de Sócios ou de Acionistas

Dentre os itens gerais de um Acordo de Sócios ou de Acionistas, existem alguns pontos cruciais que fazem dele um instrumento útil e assertivo para o funcionamento da sociedade. E quais seriam as matérias imprescindíveis e que devem constar em um Acordo de Sócios?

I. Deliberações em Assembleias de Acionistas ou Reuniões de Sócios

O funcionamento da empresa será gerido pelos Diretores ou Administradores, com as limitações impostas pelo estatuto/contrato social. Essas limitações representam a vontade dos sócios em resguardar matérias de ordem estratégica, de alta importância ou de alto risco para que sejam decididas pelo próprios sócios ou acionistas, em reuniões ou assembleias.

Um ponto de atenção diz respeito às formalidades de convocação das assembleias, sua forma e prazo de antecedência.

É fundamental a definição dos quóruns de aprovação de cada tópico, de forma a preservar o bom andamento dos negócios, sem prejudicar sócios/acionistas controladores ou minoritários. Pode-se estabelecer obrigações de voto em bloco ou ainda restrições ao direito de voto de um ou mais sócios/acionistas.

II. Administração da Sociedade

A nomeação de diretores e administradores é, sem dúvida, uma das questões mais fundamentais da uma empresa. Nas Sociedades Limitadas a administração fica a cargo de um ou mais sócios, ou de um terceiro que não precisa ser necessariamente sócio do negócio, mas deve ser qualificado para tal função.

No caso das Sociedades por Ações a administração será exercida por uma diretoria, podendo-se também constituir um Conselho de Administração, muito comum, ou muitas vezes obrigatório, estabelecendo quantos serão os diretores e conselheiros, quais suas qualificações, prazo de mandato, critérios para demissão, dentre outras.

III. Responsabilidades dos Sócios e quem pode trabalhar no negócio

Em novos empreendimentos ou startups é muito comum os sócios estarem diretamente envolvidos com o desenvolvimento do negócio. Dessa forma, estabelecer de forma clara quais as atribuições de cada um, limites às atuações, metas e objetivos é fundamental para evitar-se conflitos futuros.

Muitas vezes também há a pretensão da família de trabalhar no negócio, podendo ser estabelecido quais os critérios técnicos, formação ou de experiência para que familiares possam ocupar cargos estratégicos no negócio, ou até mesmo cargos comuns.

A principal fonte de conflito quanto a sócios e familiares trabalharem no negócio diz respeito as desligamento ou demissão, dessa forma, é salutar tratar com clareza quais as hipóteses de demissão, com ou sem justa causa.

IV. Regras quanto a Distribuição de Lucros e Dividendos

Os lucros ou dividendos são divididos proporcionalmente à participação societária, ou seja, cada quota ou ação recebe o mesmo valor de lucros ou dividendos. No caso das Sociedades Limitadas outra forma de distribuição pode ser definida no Acordo de Sócios, como a distribuição desproporcional de lucros, sendo fundamental apontar os critérios para sua ocorrência e seus limites (não há previsão para as Sociedades Anônimas).

Já na Sociedade por Ações existem algumas regras específicas que visam proteger os acionistas minoritários, como a obrigatoriedade de pagar 50% do lucro líquido após alguns ajustes no caso de omissão das regras no Estatuto da Companhia, e a vedação de previsão de dividendos obrigatórios inferiores a 25% dos lucros apurados. O Acordo de Acionistas pode e deve disciplinar a questão de distribuição de dividendos de forma justa e clara.

V. Direito de Preferência na transferência de ações ou quotas

O direito de preferência é um direito garantido as demais acionistas/sócios de adquirir as ações ou quotas de um acionista/sócio que deseja vendê-las, em igualdade de condições com o proponente adquirente.

Nas Sociedades por Ações, a alienação de ações para outro acionista ou para um terceiro não acionista pode ser feita livremente, sem necessidade de qualquer aprovação por parte da companhia e/ou dos demais acionistas, tampouco observação de qualquer direito de preferência dos demais acionistas. O Acordo de Acionistas será instrumento fundamental para dispor sobre o direito de preferência.

No caso das Sociedades Limitadas, a transferência de quotas de um sócio para outro pode ser feita livremente, sem necessidade de aprovação dos demais sócios, muito embora esses poderão se opor caso represente mais de um quarto (1/4) do capital social. A transferência de quotas a não sócios somente poderá ser concretizada com a concordância de um quarto (1/4) do capital social. Nesse aspecto. o Acordo de Sócios pode estabelecer mais ou menos restrições para venda de quotas ou entrada de terceiros não sócios, e ainda dispor acerca do direito de preferência.

VI. Possibilidade de Exclusão de Sócio por Justa Causa

Nas Sociedades Limitadas há a possibilidade de exclusão de sócio por justa causa desde que o contrato social estabeleça cláusula nesse sentido.

Contudo, o detalhamento das regras e normas para a exclusão, bem como as particularidades da sociedade, ou questões pessoais dos sócios, não devem constar no contrato social, e sim serem pormenorizadas no Acordo de Sócios e mantidas longe dos olhos de terceiros estranhos ao negócio.

A definição clara e precisa das infrações que ensejam justa causa é de extrema importância para se evitar a judicialização da exclusão. Outra questão relevante é a definição da forma e critérios de apuração de haveres do sócio excluído.

VII. Critérios de Avaliação da Sociedade

Muitas vezes a venda de uma empresa é uma situação positiva, com auferimento de ganho pelos sócios vendedores. Entretanto, nem sempre essa é a realidade, podendo haver a venda por valor inferior aos investimentos realizados, ou mesmo inferior ao preço praticado pelo mercado.

O estabelecimento de critérios claros e a metodologia específica para a avaliação da empresa em um evento de liquidez (alienação) da totalidade do negócio ou somente do controle, é providência de grande importância para evitar-se disputas ou judicialização do conflito entre os sócios.

VIII. Direito e Obrigação de Venda Conjunta

As cláusulas de direito e obrigação de venda conjunta são muito comuns em um Acordo de Sócios ou de Acionistas e visam proteger os sócios/acionistas em relação à venda de participações societárias ou de ações. O direito e a obrigação de venda conjunta são comumente designados por duas expressões em inglês:

“Tag along”: é o direito de venda conjunta, no qual havendo a venda de participação societária a um comprador que passe a deter o controle (50% +1), os sócios minoritários passarão a ter o direito de também vender suas participações nas mesmas condições e preço por quota ou ação;

“Drag along”: é a obrigação de venda conjunta, no qual o sócio majoritário ou com maior participação têm o direito de obrigar que os minoritários também vendam suas participações para o mesmo comprador, nas mesmas condições e preço por quota ou ação.

IX. Sucessão por causa mortis ou divórcio

No caso das Sociedades Limitadas, o falecimento de um sócio implica na liquidação de suas quotas, ou seja, os herdeiros não ingressarão na sociedade, salvo determinação diversa no contrato social ou em Acordo de Sócios.

Já a partilha de bens em razão de divórcio, e sendo o regime de bens o da comunhão total ou parcial, pode ocorrer das quotas de um sócio serem divididas com o cônjuge, sendo nesse caso desejável que o Acordo de Sócios já estabeleça se o cônjuge poderá ou não integrar a sociedade, e caso não possa ingressar, qual a forma de liquidação de sua participação e apuração de haveres.

No caso das Sociedades por Ações, os herdeiros receberão a titularidade das ações do acionista falecido, ou o cônjuge receberá seu quinhão partilhado no caso de divórcio, não sendo aplicável, em razão da natureza desta sociedade, uma proibição de transmissão das ações. Porém, é possível estabelecer opções de compra e venda vinculados a determinados fatos e situações.

X. Não Competição e Não Aliciamento

Para evitar que sócios, diretores ou administradores, e conselheiros exerçam alguma forma de competição com a empresa, seja em nome próprio ou em favor de terceiros, é muito corriqueiro inserir tais proibições no Acordo de Sócios ou de Acionistas, estendendo-se o prazo da obrigação para períodos posteriores ao desligamento do sócio, diretor ou conselheiro da empresa.

Por exemplo, não poderão participar, gerir ou prestar serviços a outra sociedade cujo ramo de atividade será o mesmo da empresa em questão, ficando sujeitos à penalidade prevista no Acordo de Sócios ou de Acionistas no caso de descumprimento.

O não aliciamento constitui-se na obrigação de não contratar, por si ou para benefício de terceiros, empregados, prepostos, sócios diretores ou administradores da empresa, sob pena de, na hipótese de infração, submeter-se às penalidades estabelecidas no Acordo de Sócios ou de Acionistas.

XI. Solução de Conflitos

A última questão relevante que deve constar em um Acordo de Sócios ou de Acionistas diz respeito à solução de conflitos, no caso de os sócios/acionistas não conseguirem alcançar um entendimento amigável sobre suas divergências.

É bastante recomendável instituir um compromisso arbitral para solução de conflitos, em razão das grandes vantagens dos julgamentos por arbitragem, tais como confidencialidade, celeridade, julgadores especializados resultando em alta qualidade técnica das decisões, dentre outras.

Caso a arbitragem não seja indicada, por razões econômicas ou pelo pequeno tamanho do empreendimento, o Acordo de Sócios ou de Acionistas pode disciplinar um procedimento pré-litigioso que estimule os sócios/acionistas a alcançar um acordo, ou ao menos obrigue as partes a expor de forma clara e formal, acompanhada dos documentos comprobatórios, suas queixas e indignações, previamente ao ingresso de qualquer medida judicial.

É notável que um Acordo de Sócios ou de Acionistas leva em conta uma série de particularidades da sociedade, de sua atividade e do relacionamento de seus sócios/acionistas. Dada a sua complexidade, é imprescindível que seja redigido por profissionais com bastante experiência nas questões jurídicas e negociais da abertura e funcionamento de empresas.

Nossa equipe Societária possui ampla experiência e conhecimento jurídico para esclarecer dúvidas e auxiliar na elaboração desse fundamental instrumento de proteção das empresas.

Autoria de: André Staffa Neto

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