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Cinco erros comuns no desenvolvimento de projetos de geração centralizada

Cinco erros comuns no desenvolvimento de projetos de geração centralizada

Head Energia
4/1/2023

Por Victor Gomes e Henrique Reis

Em linguagem coloquial, “colocar de pé” uma usina de geração centralizada com investimentos de dezenas de milhões ou até de bilhões de reais não é tarefa simples. A viabilização de uma usina envolve diversas macro etapas, que podemos dividir, por razões didáticas, em: (i) concepção; (ii) maturação; (iii) viabilização comercial; (iv) implantação e (v) operação.

Cada uma dessas macro etapas tem dezenas ou até centenas de atividades, que são concatenadas, para atingir o objetivo final, de construção e operação do empreendimento de forma a trazer o retorno desejado para o acionista e a sociedade.

Cada atividade tem desafios próprios e requer conhecimentos interdisciplinares de diversas áreas de conhecimento como: mercado, regulação, engenharia, inovação, direito, finanças, contratos, meio ambiente, fundiário, relações institucionais, entre outros.

Na história de mais de 25 anos de viabilização de projetos de geração por grupos privados, há muitos casos de sucesso, com notáveis inovações por parte dos empreendedores, que se traduziram em excelentes retornos para os desenvolvedores, investidores e acionistas e, principalmente, para a sociedade brasileira.

De outro lado, tendo em vista essa complexidade, naturalmente houve muitos erros durante as diversas etapas do desenvolvimento de projetos, que serviram (e servem) de lição para aprendizado para projetos futuros.

Falaremos aqui de cinco erros comuns em desenvolvimento de projetos de geração centralizada.

1) Desconhecer ou subestimar custos e obrigações regulatórias

Um erro bastante comum no desenvolvimento de projetos de geração é desconhecer ou subestimar os custos e obrigações regulatórias do agente de geração de energia, desde a outorga até a fase de operação do projeto. Dentre os custos relevantes do gerador, encontram-se: os encargos de uso do sistema de transmissão ou distribuição, TFSEE, P&D, combustível para testes (para termelétricas), contribuições à CCEE, ONS.

Desconhecer ou subestimar os custos regulatórios pode fazer com que investidores tomem decisões erradas, sejam mais agressivos do que deveriam ser na precificação da energia, podendo, no limite, arruinar o retorno de um projeto.

Portanto, é importante que as empresas tenham profissionais qualificados, com conhecimento específico em regulação e experiência no monitoramento das alterações nas normas vigentes. É importante que esses profissionais sejam capazes de mapear a matriz de risco regulatório, conhecer e projetar, com a maior precisão possível, os custos regulatórios das usinas durante toda a fase de operação dos empreendimentos.

2) Desconhecer ou subestimar os detalhes de obrigação de entrega e riscos do PPA

Outro erro comum é desconhecer ou subestimar os riscos envolvidos nos contratos de compra e venda de energia elétrica, seja no mercado regulado (ACR), seja no mercado livre (ACL). Nos contratos de comercialização de energia, há uma alocação complexa de riscos entre as partes vendedora (gerador) e compradora (distribuidoras/CCEE, consumidores livres).

Os contratos normalmente tratam de obrigação de entrega, prazo de vigência, submercado, modulação, sazonalização, força maior, tipo de energia, índices de indisponibilidade permitidos, garantias, hipóteses de rescisão, entre outros temas materiais.

Em CCEARs por disponibilidade de termelétricas (leilões de energia) e CRCAPs (leilões de reserva de capacidade), há uma complexidade ainda maior, sendo muito comum entre os agentes a confusão de conceitos regulatórios/comerciais em relação às obrigações de entrega de energia e de lastro.

Não menos complexas (e pouco padronizadas) são as obrigações de entrega de energia em CCEARs de fontes eólicas e solares (tanto na modalidade quantidade quanto disponibilidade), principalmente diante de mudanças recentes na matriz de risco desses contratos aprovadas pela ANEEL. Necessária especial atenção, ainda, às Regras de Comercialização, que orientam a contabilização das obrigações comerciais no âmbito da CCEE.

A falta de compreensão da alocação de riscos nos contratos de energia pode ser extremamente danosa para os investidores. Não são incomuns os casos em que os players “descobrem” os reais riscos a que estão sujeitos somente após a operação comercial, quando ficam expostos no mercado ou devem pagar penalidades. Conhecer os riscos e exposições decorrentes dos contratos de compra e venda de energia é essencial para o sucesso de projeto de geração.

3) Não fazer análise de risco adequada na concepção do projeto

Na fase de concepção do projeto, isto é, na fase inicial de definição do escopo do projeto de geração, é importante executar uma análise de risco adequada, para entender se o projeto tem racionalidade e viabilidade econômico-financeira. Assim, uma primeira análise de risco deve ser qualitativa e quantitativa, com foco no risco de o projeto não trazer o fluxo de caixa almejado.

Desde a concepção do projeto, é importante fazer um sanity check, com estudo qualitativo e quantitativo dos riscos e restrições ambientais, logísticas, de financiamentos (p. ex. para fontes poluentes), de mercado (possibilidade de venda da energia a preços competitivos), políticos (mudança de lei em benefícios para fontes, por exemplo), tributários, de tecnologia, riscos em relação a aprovações estatais, riscos cambiais, de conexão, dentre outros. Ao identificar o risco na fase inicial, o empreendedor pode optar por não seguir com o projeto ou gerenciar ou mitigar o risco.

Uma parte relevante dos graves problemas ocorridos em fases posteriores em projetos de geração decorre da deficiência no sanity check na fase de concepção do projeto, em que os empreendedores poderiam ter identificado restrições graves aos projetos antes do aporte de investimentos e de venda em leilões.

4) Copiar projetos bem-sucedidos

A empresa que traz algum tipo de inovação em seus projetos, normalmente tem retornos maiores do que aquelas que copiam. Não é diferente no setor elétrico. Empresas de geração ou desenvolvedores que trouxeram inovação em algum aspecto relevante (explorando novas fontes e/ou inovando em modelos de negócio) conseguiram criar mais valor e capturar parte deste valor criado, auferindo altas taxas de retorno.

Normalmente quando algum player introduz uma inovação relevante e quando não há barreiras à entrada substanciais, diversos outros players tendem a desenvolver projetos iguais ou muito semelhantes, almejando taxas de retorno similares às dos pioneiros. No entanto, os que copiaram, na maioria dos casos, perderam o timing e provavelmente terão projetos com retornos menores.

No segmento de termelétricas, por exemplo, percebemos há alguns anos uma multiplicação de projetos de geração a biomassa de eucalipto de grande porte (50 a 150 MW) com CVU diferente de zero, depois que alguns players venceram leilões com projetos semelhantes. Uma fatia expressiva de tais projetos não prosperou e não foi viabilizada, pois não havia racionalidade econômico-financeira em tais projetos.

Outro caso interessante é o de projetos de usinas a GNL. Depois de alguns casos bem-sucedidos de pioneiros no segmento com projetos de mais de 1 GW de capacidade instalada, diversos outros players também passaram a desenvolver projetos semelhantes. Nos últimos Leilões da EPE, foram cadastrados cerca de 50 GW de projetos a GNL, em diversos estados brasileiros, mesmo onde não há terminais de regaseificação. Evidentemente que o SIN não tem capacidade para absorver 50 GW de usinas a gás natural na costa e nem há lógica econômica para a construção de dezenas de terminais de GNL.

Por fim, entre as renováveis, em que há menor barreira à entrada, devido ao menor custo de desenvolvimento, houve um crescimento exponencial de projetos. Os pioneiros no desenvolvimento de projetos foram bem-sucedidos, alguns com excelentes retornos para os acionistas. No entanto, atualmente existem mais de 100 GW de pedidos de outorga e outorgas emitidas sem início de obras de usinas solares e eólicas, muitos dos quais certamente não sairão do papel (e os que sairão do papel, não terão os mesmos retornos dos projetos antigos, devido à forte concorrência).

Portanto, uma lição óbvia que se tira é que é melhor desenvolver um projeto com algum tipo de inovação, seja ela relacionada à tecnologia ou ao modelo de negócio, do que desenvolver projetos já consolidados. O problema é como colocar a lição em prática. Não há receita de bolo para isto. De todo modo, o que se pode dizer é que o desenvolvimento de projetos inovadores se inicia com uma equipe criativa, com conhecimentos multidisciplinares e com conhecimentos profundos do mercado de energia, que saiba identificar oportunidades, traçar estratégias e realizar uma análise de risco consistente dos projetos, sob as perspectivas técnica, legal, comercial e financeira.

5) Falta de exercício back-to-back nos contratos relevantes e descasamento entre receitas e custos

Para que um projeto de geração centralizada seja financiado e viabilizado, é necessário que apresente um fluxo de caixa futuro constante e com um perfil aceitável de risco. No Brasil, um projeto de geração normalmente tem a receita proveniente de contratos de compra e venda de energia de longo prazo. De outro lado, custos principais estão vinculados à construção do empreendimento (Capex), custos operacionais (combustível, mão-de-obra e custos setoriais) e serviço da dívida (financiamento).

Para que o fluxo de caixa líquido (receitas menos custos) seja constante no longo prazo, é necessário que não haja “descasamento” entre as receitas e custos. Assim, para que o projeto não “empilhe” riscos desnecessariamente, suportando riscos excessivos, é extremamente relevante que as principais condições comerciais dos contratos mais relevantes (de um lado, PPA; de outro, financiamento, EPC, combustível e O&M) tenham cláusulas que retirem do projeto alguns riscos relevantes, como, por exemplo, o risco de construção e operação, risco de falha no suprimento de combustível, falha operacional e de descasamento de índices.

Como exemplo, é importante que o empreendedor tente, ao máximo, (i) repassar as penalidades pelo atraso na operação comercial ao EPCista; (ii) as penalidades pela não entrega de energia ao fornecedor de combustível ou prestador de serviço de O&M, a depender da razão da falha; (iii) que as cláusulas de caso fortuito e força maior do PPA sejam replicadas aos demais contratos; (iv) que os índices de reajuste do financiamento, do contrato de combustível e O&M sejam compatíveis com os índices do PPA; (v) fazer hedge cambial, caso custos relevantes do empreendimento sejam em moeda estrangeira, enquanto o PPA é em real.

Um erro comum no desenvolvimento de projetos de geração é falta da análise back-to-back na elaboração dos documentos relevantes do projeto. Isto ocorre com mais frequência com usinas termelétricas, em que o custo com combustível é descasado com as receitas provenientes dos PPAs, o que, em alguns casos, levou até mesmo à falência de usinas.

Também há exemplos de empreendedores de usinas solares e eólicas que amargaram prejuízos relevantes e até mesmo desistiram de projetos devido à falta de hedge cambial e o consequente ao descasamento entre o custo dos equipamentos (em dólar) e o reajuste do PPA (em real).

Falamos brevemente sobre os cinco erros comuns no desenvolvimento de projetos, mas mais importante do que falar dos erros, é mostrar detalhadamente o que se deve fazer para viabilizar uma usina de geração. Para isto, convidamos você para a edição de 2023 do curso que preparamos sobre o Desenvolvimento de Projetos de Geração Centralizada.

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