31/3/2020
Com o avanço da pandemia da COVID-19, os governos vêm adotando diversas medidas e orientações para conter seu impacto na sociedade. Este cenário poderá afetar diretamente as relações contratuais em diversos setores da economia, gerando atrasos e, muitas vezes, o descumprimento dos contratos. Para tratar situações como esta, em que há alteração de circunstâncias externas que afetam diretamente as relações contratuais, o direito civil brasileiro prevê alguns institutos, dentre eles a “força maior”.
Força maior é um conceito previsto expressamente na lei brasileira, no parágrafo único do artigo 393 do Código Civil:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
O conceito previsto no Código Civil é bastante amplo e, portanto, o possível enquadramento da pandemia da COVID-19 como evento de força maior deve ser analisado caso a caso, de acordo com a relação negocial e contrato firmado entre as partes.
Ainda de acordo com o Código Civil, a força maior é uma excludente de responsabilidade do devedor e será aplicável mesmo quando não estiver prevista em contrato (exceto se a obrigação já tiver sido descumprida antes da ocorrência do evento ou se as partes tiverem acordado expressamente em serem responsabilizadas em tal hipótese).
Se o contrato contiver cláusula de força maior, o procedimento para argui-la deverá seguir os requisitos acordados entre as partes que, em geral, indicam o envio de notificação imediata à outra parte.
Caso não esteja prevista no contrato, as partes poderão tentar obter os seguintes remédios:
a) Se a força maior for causada por evento temporário: suspensão da obrigação e exclusão da responsabilidade durante o período relevante; ou
b) Se a força maior for causada por um evento permanente/irreversível: exclusão da responsabilidade e, em última instância, o término do contrato sem responsabilização das partes.
Na prática, quando há disposição contratual, é comum que os contratos apresentem as seguintes cláusulas:
a) suspensão temporária da eficácia das obrigações durante o período em que persistir o evento de força maior;
b) exclusão da responsabilidade decorrente do não cumprimento e/ou atraso no cumprimento das obrigações da parte reclamante;
c) direito à rescisão da relação contratual por uma ou ambas as partes; e
d) término automático do contrato, liberando as partes de todas as obrigações previstas no contrato.
Note-se que há o risco de uma das partes de uma relação contratual recorrer de maneira equivocada à aplicação da força maior, e por esta razão deixar de cumprir suas obrigações no âmbito do contrato (permanente ou temporariamente), em circunstâncias em que essa premissa não é verdadeira.
Nestes casos, a parte que recorreu erroneamente à força maior estará exposta à violação das obrigações contratuais e, em casos mais extremos, poderá ver a outra parte rescindir o contrato por descumprimento e, potencialmente, sofrer danos relevantes.
Além da força maior, a lei brasileira também prevê expressamente a teoria da imprevisão (conceito similar ao princípio “eccessiva onerosità”, do direito Italiano), disposta nos artigos 317, 478 e 479 do Código Civil, que podem alternativamente ser aplicadas a desequilíbrios comprovadamente causados pela COVID-19:
“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.”
A aplicabilidade dos institutos mencionados acima deverá ser analisada caso a caso.
De todo modo, seja qual for a circunstância que levará o contratante a pleitear a revisão e/ou a rescisão do contrato com base na alegação de “excessiva onerosidade”, não se pode perder de vista que um (importante) requisito do artigo 478 do Código Civil, a ensejar a revisão contratual, é a “vantagem extrema da outra parte”, ou seja, situação que coloque o outro contratante em grande desvantagem.
Quanto a esse requisito, há de se ponderar que: (i) ambos os contratantes estão sofrendo os impactos das medidas de emergência que visam conter a pandemia de COVID 19; (ii) em uma situação de crise/pandemias toda a cadeia produtiva deve ser preservada e não apenas os interesses econômicos de uma das partes; e (iii) deve ser mantido o equilíbrio econômico do contrato.
Assim, ainda que o Código Civil permita a revisão das cláusulas contratuais e até a rescisão de contratos por conta de evento imprevisível e imponderável, e estabeleça que não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, este não incorre em mora (artigo 396 do CC), o evento extraordinário e imprevisível não pode ser invocado para justificar o inadimplemento generalizado de contratos, muito menos ser justificativa para alterar um contrato em benefício de uma única parte.
Seja qual for a hipótese de aplicação da teoria da imprevisão, sempre devem ser respeitados os princípios da boa-fé, lealdade contratual, além daquele que veda o enriquecimento sem causa.
Por fim, deve ser destacado que, a partir do momento em que se tornar factível a sua ocorrência, a pandemia deixa de ser considerada um “fato imprevisível” e, consequentemente, torna-se inaplicável a teoria da imprevisão aos contratos firmados a partir de então.
A equipe de L.O. Baptista Advogados está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre este e outros assuntos.