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Importação como mecanismo de acesso a medicamentos pelo paciente

Importação como mecanismo de acesso a medicamentos pelo paciente

15/2/2024

Como um dos direitos fundamentais, o artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preconiza que a saúde é direito de todos e dever do Estado, através da implementação de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Dada a complexidade e importância do comando acima destacado, a sua implementação  contou com a atuação de diversos entes federativos, como se vê através da  edição da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990 que trata dos meios a serem adotados para garantia da promoção, proteção e recuperação da saúde, instituindo o Sistema Único de Saúde – SUS.

A complexidade da garantia do direito a saúde envolve, ainda, parâmetros de segurança, qualidade e eficácia que necessitam ser respeitados, cabendo ao Estado acompanhar e garantir que a indústria farmacêutica ofereça produtos com tais atributos. Assim, com o advento da Lei n° 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que foi responsável pela criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, o Estado busca garantir que os medicamentos sejam produzidos dentro do parâmetros acima citados, cabendo à Anvisa regular referida atividade.

Dentro desse contexto, é a própria Lei n° 9.782/1999 que atribui à Anvisa a competência de estabelecer normas de caráter sanitário, inclusive no que diz respeito aos procedimentos para anuência de importação de medicamentos e outros produtos sujeitos à vigilância sanitária, tópico importante, já que a importação de medicamento para uso próprio é um mecanismo de acesso a medicamentos.

Considerando isso, a Anvisa publicou a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n° 81, de 5 de novembro de 2008 (e suas diversas alterações), que dispõe sobre o Regulamento Técnico de Bens e Produtos Importados para fins de Vigilância Sanitária, norma que define e regulamenta a importação como meio de entrada no território nacional de bens e produtos procedentes do exterior e sujeitos à vigilância sanitária. Seguem abaixo algumas formas de ingresso dos referidos produtos no país:

  • Encomenda Aérea Internacional: transporte de bens e produtos por empresas aéreas, sob encomenda, sujeita a controle sanitário;
  • Remessa Postal Internacional: bens e produtos sob vigilância sanitária são transportados por meio de encomenda internacional pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; e
  • Remessa Expressa: a encomenda internacional é transportada por via aérea, por empresa que tem como atividade preponderante a prestação de serviços de transporte internacional expresso “courier”.

É importante salientar que a Anvisa estabelece parâmetros a serem observados no contexto da importação de medicamentos, tais como as características do importador, que pode ser pessoa física ou jurídica, a forma de importação, que pode contemplar alguma das modalidades citadas acima, a finalidade da importação, que pode ser para uso próprio, ter finalidade industrial, atender programas assistenciais.

Nessa linha, a empresa que exerce a atividade de importação de produtos sujeitos a vigilância sanitária, por exemplo, deve observar a legislação em vigor, obtendo licença sanitária na Vigilância Sanitária local, bem como autorização de funcionamento de empresa (“AFE”) específica para a classe de produto a ser importado junto à Anvisa, quando aplicável, além de atender a todas as regularizações que possam ser demandadas, o que exige análise individual e cautelosa acerca da atividade a ser desempenhada pela empresa, sendo certo que, em regra, o medicamento a ser importado deve estar previamente regularizado na Anvisa.

Em alguns casos, há permissão legal para que medicamentos sejam importados mesmo antes de seu registro (regularização) na Anvisa, tais como nos casos de realização de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil, nos termos da  Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 9, de 20 de fevereiro de 2015, e também para atendimento dos chamados programas assistenciais regulamentados na Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 38, de 12 de agosto de 2013, lembrando que devem ser submetidos aos tramites de avaliação da Anvisa e aguardar a obtenção da respectiva permissão para importação, quando aplicável.

Fazendo um parênteses sobre esse ponto, a RDC nº 38/2013 está sob revisão da Anvisa, tendo sido objeto da Consulta Pública n° 1.210, de 26 de outubro de 2023, que recebeu contribuições entre os dias 03.11.2023 e 02.01.2024, conforme melhor detalhado em nota preparada anteriormente (Aberta Consulta Pública sobre acesso a medicamentos por meio de programas assistenciais – L. O. Baptista Advogados), sendo importante destacar que o tema poderá ser futuramente impactado em razão do Projeto de Lei sobre Pesquisas Clínicas, em trâmite no Congresso Nacional (vide aqui a tramitação detalhada do PL sobre Pesquisa Clínica).

Ainda com relação ao acesso a medicamentos no Brasil, o Estado tem permissão para importar produtos sem regularização na Anvisa, nas hipóteses previstas na Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 203, de 26 de dezembro de 2017, dentre as quais destacamos:

  • a indisponibilidade do produto e de suas alternativas terapêuticas no mercado nacional;
  • a necessidade de atendimento de situação de emergência de saúde pública de importância nacional ou internacional, entre outros casos, sendo certo que esses produtos seriam destinados exclusivamente para uso em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas.

Importante salientar que a importação em caráter de excepcionalidade pelo Estado, conforme apontado acima, requer que:

  • o produto seja pré-qualificado pela Organização Mundial de Saúde (“OMS”) ou que exista comprovação de registro válido por autoridade membro do International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use (“ICH”); e
  • a empresa tenha certificação de boas práticas de fabricação (“CBPF”) ou documento equivalente do país de origem, podendo o CBPF ser dispensado exclusivamente no caso de emergência de saúde pública de importância nacional ou internacional.

Já, quanto à importação de medicamento por pessoa física, tratada no capítulo XII da RDC n° 81/2008, referida norma estabelece que a importação de medicamentos acabados está dispensada de autorização pela autoridade sanitária, desde que destinada a uso próprio, isto é, que seja importada em quantidade e frequência compatíveis com a duração e a finalidade do tratamento, sem configurar o comércio ou a prestação de serviços a terceiros.

Entretanto, essa dispensa de autorização pela autoridade sanitária não se aplica às hipóteses de importação de medicamentos à base de substâncias sujeitas a controle especial, que são regulamentadas pela Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998, e suas atualizações, e tampouco em casos de medicamentos com restrições de uso discriminadas em regulamento específico.

Um exemplo de regulamentação específica para importação por pessoa física é o caso da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 660, de 30 de março de 2022, que traz os critérios e procedimentos para a importação de produto derivados de Cannabis, para uso próprio, com finalidade medicinal, desde que haja prescrição médica e que o produto seja produzido e distribuído por estabelecimentos regularizados em seus países de origem.

Assim, a legislação permite que o indivíduo busque a importação de medicamentos para seu uso próprio, nas formas e limites por ela discriminados.

Por fim, há também o acesso a medicamento resultante de medida judicial, caso em que o ente federado é compelido a fornecer o medicamento regularizado ou não na Anvisa. Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal definiu que, em regra, uma determinação judicial não seria capaz de obrigar o Estado  a fornecer medicamentos sem registro na Anvisa, contudo, o fornecimento deve ser assegurado  caso sejam preenchidos todos os seguintes requisitos: (i) o pedido de registro do medicamento no Brasil já tenha sido formulado e encontra-se sob análise da Anvisa, (ii) o medicamento seja registrado em agência de regulação renomada no exterior e (iii) não haja substituto terapêutico no Brasil (Supremo Tribunal Federal)

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