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Investida de grupos políticos nas regas do setor elétrico pode prejudicar privatizações

Investida de grupos políticos nas regas do setor elétrico pode prejudicar privatizações

Agência Estado

5/12/2019

 

Por Luciana Collet

As investidas de grupos ou figuras políticas em assuntos de natureza regulatória no setor elétrico podem gerar impacto negativo nas privatizações ou futuras concessões, seja de empresas de energia, seja de outras concessões de infraestrutura. A avaliação é de especialistas, executivos e autoridadesdo setor. Somente no setor elétrico, estão atualmente em discussão privatizações de distribuidoras estaduais como a gaúcha CEEE-D, a brasiliense CEB e a CEA, do Amapá, sem contar com o movimento do governo mineiro visando a venda da Cemig, e o projeto de capitalização da Eletrobras, com decorrente perda do controle estatal.

Algumas dessas operações são esperadas para 2020, e o entendimento é que iniciativas recentes por parte de diferentes esferas políticas de buscar influenciar no andamento das concessões e implementar leis para interferir em casos específicos podem aumentar a percepção de risco do potencial investidor e prejudicar a atratividade dos ativos. “Qualquer interferência política em um setor extremamente regulado, estratégico e estruturante como o elétrico aumenta a percepção de risco”, avalia o sócio da área de Energia e Recursos Naturais do Demarest, Rafael Gomes.

Ainda assim, ele considera que por ora, essas investidas ainda não devem ser incorporadas em avaliações de preço dos ativos. Para ele, a efetiva consideração depende de um fato concreto, como uma decisão, ainda que temporária, de suspensão de contrato de concessão, ou outra ação de interferência. “Uma decisão teria um efeito péssimo, porque começaria a trazer custo de oportunidade e sobrepeso para as operações, hoje é só essa fumaça, mas movimento adicional, uma decisão no judiciário ou legislativo respaldar isso”, poderia influenciar no valor dos ativos.

Já um executivo de uma empresa do setor afirma que “tudo impacta a percepção que o mercado tem em onde investir, é óbvio que o investidor vai ter mais medo e pode ir a compra ou não, ou de qualquer jeito estar disposto a pagar menos, porque o prêmio de risco se desconta”, diz.

O sócio da área de energia do Veirano Advogados, Tiago Figueiró, admite que os movimentos que têm
sido observados “não são bem vistos” e avalia que até o momento as ações ainda estão incipientes. “Nada
de concreto aconteceu, é bem cedo para mensurar impactos, por enquanto tem apenas uma ameaça”, avalia.
Ele considera que o mercado provavelmente vai monitorar como governo federal se manifesta perante o
andamento das iniciativas, para ver se então avaliar impactos mais concretos.

Além disso, o advogado destaca que no caso da privatização das distribuidoras, se as operações forem
comandadas pelos mesmos grupos que se interessaram pelas concessionárias da Eletrobras – Enel, Energisa
e Equatorial – o aumento da percepção de risco é menor, porque os grupos já estão aclimatados ao País.
“Mas um investidor estrangeiro que considerar vir neste momento ao Brasil, se tiver alternativas, em
mercado mais pacíficos… é aí que decisões são tomadas entre um mercado ou outro”, diz.

A sócia do escritório L.O. Baptista, Rebecca Maduro lembra que estamos em período pré-eleitoral, tendo
em vista a disputa municipal do ano que vem. E nestas épocas, cresce a tentativa de “captura” de assuntos
regulatórios. “É um movimento natural e cíclico, não é novo.” Ainda assim, ela considera que será
necessário acompanhar e entender os desdobramentos do movimento. “Sem dúvida que em futuros
investimentos, nas privatizações que estão na mesa, esses temas vão ser discutidos. Não existe fórmula que
vá de alguma maneira poupar qualquer concessão de passar por uma situação como a da Enel Goiás”, avalia.

Enel Goiás
A advogada se refere ao caso mais emblemático do momento de interferência política em concessões de
energia. O governador goiano, Ronaldo Caiado, lidera um movimento para tentar retirar a atual empresa
responsável pelos serviços de distribuição de energia elétrica no estado, a italiana Enel, da concessão.
Políticos estaduais reverberaram os apelos do governador, por meio de projetos de lei que visam viabilizar
o encerramento do atual contrato de concessão. Por outro lado, Caiado vem buscando apoio em outras
esferas de poder e chegou a ir à Procuradoria Geral da República denunciar os problemas na qualidade do
fornecimento da distribuidora local.
Governo federal e advogados são unânimes em dizer que não há base legal para qualquer interferência
política estadual na concessão da Enel Goiás e consideram pouco provável uma evolução negativa para a
empresa. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, chegou a declarar que era “juridicamente
impossível” a reestatização da distribuidora. A explicação é que o estado não tem competência para
encerrar um contrato de concessão, encampar a empresa ou determinar sua desapropriação, uma vez que a
distribuição de energia é um serviço de titularidade da União. “Seria interferência indevida do estado em
empresa regulada diretamente pela União, pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica)”, diz
Figueiró.

Tendo em vista o marco regulatório e as instituições existentes no setor elétrico, que dão respaldo para os
contratos de concessão, especialistas consideram baixa a probabilidade de desdobramentos maiores para as
investidas goianas. “A Enel assumiu há pouco tempo, em 2017, acabou de apresentar um plano de ação e a
Aneel está acompanhando”, diz Maduro.

Energisa e Equatorial
A tentativa de interferência política em questões de regulação não está restrita ao caso goiano. Atualmente a Energisa MS é alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito aberta pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul para investigar os aumentos das contas de luz. Da mesma forma, a Câmara Municipal de Campo Grande instaurou uma Comissão Especial para investigar a mesma coisa no âmbito da capital doestado. “Se a CPI concluir que tem algo errado e o resultado for emitir recomendação para que a Aneel exerça suas funções regulatórias com relação às empresas de forma mais assertiva, nada de errado”, avalia Figueiró.

Gomes sugere que a forma mais democrática de participação política em casos que envolvem concessões
federais seria durante discussões promovidas pelas agências reguladoras e cita o caso das revisões tarifárias
das distribuidoras Cepisa (PI), adquirida pela Equatorial, Ceron (RO) e Eletroacre, compradas pela
Energisa. “Diversos entes políticos foram à reunião de diretoria da Aneel, fizeram discursos e levaram uma
visão da sociedade, apresentaram elementos para a diretoria avaliar e sopesar a decisão do reajuste tarifário,
isso é legítimo”, afirma.

Mas essa não é a opinião de uma autoridade do setor elétrico que falou na condição de anonimato, por
considerar o assunto muito sensível. “Dentro de um critério objetivo, a agência não poderia abrir processo
de revisão, mas houve uma politização tão grande que ofuscou o trabalho técnico da Aneel, para uma
eventual submissão ao processo político”, diz, ao comentar sobre a avaliação disseminada de que a agência
sofreu pressão para vetar o pedido de revisão extraordinária.

Segundo essa autoridade, a interferência política que tem sido observada reflete o fato de que energia
elétrica tem grande apelo popular, aliado à grande renovação de quadros políticos, fazendo com que muitos
parlamentares atualmente em ação não entendem a dinâmica da regulação, mas querem mostrar atitude. “O
poder público tem de perceber os limites da regulação e que o controle político é feito na indicação dos
diretores e dentro do rito que existe, de audiências públicas”, defende, também avaliando que os processos de privatização podem ser influenciados pela percepção de maior interferência política.

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