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Princípio do negociado sobre o legislado: dispensa do registro de ponto

Princípio do negociado sobre o legislado: dispensa do registro de ponto

JOTA

31/05/2019

 

Uma importante decisão foi proferida pela Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no dia 08 de abril de 2019. A mais alta instância da Justiça do Trabalho analisou a possibilidade de liberar os empregados da anotação diária e regular da jornada de trabalho, como decorrência do princípio do “negociado sobre o legislado”, o qual emergiu com a reforma trabalhista que passou a vigorar em novembro de 2017.

A decisão foi proferida em ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho em face de um Acordo Coletivo firmado entre o Sindicato dos Metalúrgicos e uma empresa sediada no Espírito Santo. A discussão é acerca da possibilidade dos empregados deixarem de anotar a jornada regular trabalhada, para proceder ao registro apenas de eventos que excedam ou diferenciem a jornada habitual. É o chamado registro de ponto por exceção.

O “registro de jornada por exceção” propõe que os empregados registrem apenas os eventos extraordinários à jornada habitual e contratual, como, por exemplo, labor em horas extras, atrasos e faltas eventualmente cometidas.

Saliente-se que a Seção de Dissídios Coletivos possui competência para deliberar sobre assuntos que versem sobre os temas que envolvam coletividades, sendo que as decisões proferidas por este órgão servirão como referência para os próximos julgados.

O entendimento jurisprudencial sobre o tema do registro de ponto, anteriormente, se baseava na CLT, que prevê que as empresas com mais de dez empregados são obrigadas a manter cartão de ponto com registro de horário de entrada e saída de todos os empregados, não sendo admitido o controle por exceção, mesmo que previsto em convenção ou acordo coletivo. Essa foi a primeira decisão que autorizou a anotação apenas dos eventos extraordinários.

Em novo viés, a reforma trabalhista trouxe o artigo 611-A, X, da CLT, que traz a seguinte previsão: “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: X – modalidade de registro de jornada de trabalho”, hipótese que permite, portanto, a negociação coletiva para estabelecimento de formas alternativas de controle da jornada de trabalho que melhor atendam as necessidades das partes.

A autorização desse sistema de registro de jornada reflete a adequação do Tribunal Superior do Trabalho ao princípio do negociado sobre o legislado, na medida em que aceita que a relação empregatícia se firme com base no quanto convencionado pelas partes via acordo ou convenção coletiva.

Ressalta-se que a possibilidade da anotação da jornada de trabalho ser regulada por convenção ou acordo coletivo foi incluída pela redação da Lei nº 13.467/17, que trouxe à baia algumas circunstâncias através das quais as relações de trabalho possam vir a ser negociadas diante de situações específicas de cada setor, para que sejam respeitados os princípios inerentes a personalidade dos indivíduos na estipulação do que melhor convier a ambas as partes.

É de relevância que dentro da legislação trabalhista haja permissão de um acordo prevalecer sobre a lei em seus próprios termos. Através da mera leitura do caput do art. 611-A da CLT, tem-se que o rol ali descrito é exemplificativo, na medida em que o legislador optou por fazer constar que “entre outras” matérias podem ser reguladas pela autonomia da vontade das partes, abrindo uma brecha para eventuais novidades.

Ressalta-se que a matéria da dispensa da anotação clássica da jornada contratual, para se anotar apenas a jornada de exceção, tem sua regulação e firmamento no princípio da boa-fé, sendo este basilar ao direito do trabalho brasileiro, onde não há intenção do empregador de prejudicar o empregado. Se constatado fraude, coação ou qualquer outro vício, a tendência do Judiciário será de anular o instrumento normativo.

A boa-fé também será praticada se considerarmos que o próprio empregado irá anotar a jornada de exceção, sem ter o controle diário que sempre foi praticado pela empresa, até porque somente a ele caberá trazer a realidade dos fatos efetivamente vividos nas anotações que realizará.

Agora é esperar que as demais turmas do Tribunal Superior do Trabalho sigam esse entendimento a fim de pacificar a jurisprudência.

 

Por:

ÁGATA FRANCESCHINI – advogada trabalhista do L.O. Baptista Advogados
GAL ANTUNES – estagiária do L.O. Baptista Advogados.

 

Disponível em: JOTA

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