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Processo de abertura promete ser longo

Processo de abertura promete ser longo

Valor Econômico 
28/04/2023

Médias empresas poderão optar, em 2024, por comercializadores varejistas e reduzir a conta de luz, mas consumidores residenciais terão de esperar até 2028

Por – Guilherme Meirelles

Ainda está distante uma Black Friday na qual mensagens e propagandas de centenas de comercializadoras de energia oferecerão aos consumidores tarifas imbatíveis para reduzir a conta de luz de suas residências. O processo é longo, mas já tem data para começar. A partir de 1° de janeiro de 2024, de acordo com a Portaria 50/2022, do Ministério de Minas e Energia (MME), todos os consumidores do chamado Grupo A – conectados em alta tensão, ou seja, em redes de corrente alternada entre 69 kilovolts (kV) e 138 kV – poderão comprar suas demandas de energia por meio de comercializadores varejistas no mercado livre de energia, independentemente da carga mínima exigida, que hoje é de 500 kW. Em outras palavras, não precisarão mais obrigatoriamente estarem atrelados à distribuidora que serve a sua região.

A iniciativa do MME vai beneficiar principalmente indústrias e médias empresas, que pagam contas mensais em torno de R$ 10 mil, mas que ficavam presas ao mercado cativo. Porém como ficam os clientes residenciais, que estão conectados à baixa tensão (Grupo B), que possuem um consumo médio mensal de 0,5 kW? Ainda terão de esperar mais um pouco, pelo menos até 2028, conforme prevê o PL 414/2021, já aprovado pelo Senado e atualmente em fase de recebimento de emendas na Câmara dos Deputados, com pouca possibilidade de aprovação neste ano, segundo especialistas.

Hoje, as operações do mercado livre de energia são fechadas no atacado dentro da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que reúne geradores, distribuidores, comercializadores e consumidores. Apesar de apenas cerca de 11 mil clientes (como indústrias, grandes comércios e hospitais, por exemplo) terem acesso, o mercado livre representou 36,4% do consumo nacional de eletricidade e cresceu 10,6% no ano passado. Com a abertura de mercado da Portaria 50/2022 e a consequente entrada de comercializadoras varejistas, a expectativa é atingir mais de 100 mil consumidores. “Será um salto como nunca vimos antes, já que o mercado sempre atuou nas vendas pelo atacado. Em dezembro, tínhamos 55 comercializadores varejistas habilitados. Em março, fechamos com 62 e a expectativa é fechar o ano com quase cem comercializadores”, afirma Marcelo Loureiro, conselheiro da CCEE e responsável pela área de abertura de mercado.

Na prática, por exemplo, comércios que atuam em alta tensão, mas não atingiam 500 kW de demanda, poderão fechar contratos de “comunhão de cargas”, incluindo a loja principal e filiais dentro de um mesmo CNPJ. “Quando estiver liberado para a baixa tensão, será possível incluir em uma mesma conta vários imóveis abrigados dentro de um mesmo CPF em uma única conta”, diz Loureiro.

Segundo ele, a transformação do mercado cativo para o mercado livre vai exigir uma série de regulamentações para que haja a segurança necessária aos agentes da cadeia, condição prevista no PL414, que determina um cronograma de 42 meses até a abertura total de mercado. Hoje, a estimativa do setor elétrico é de cerca de 89 milhões de consumidores de energia elétrica no Brasil. “Na Itália, demorou alguns anos para que 70% do mercado estivesse integrado ao mercado livre. Há a mesma expectativa para o Brasil. Haverá pessoas que permanecerão com a mesma distribuidora, imóveis públicos que dependerão de licitações e também consumidores de baixa renda, abrangidos por programas sociais”, afirma. Em um primeiro momento, estarão fora do mercado livre a energia gerada pela usina de Itaipu e a energia nuclear da usina de Angra dos Reis. No caso de Itaipu, uma eventual inclusão depende da renegociação dos termos do Anexo C, que completa 50 anos em abril.

Cético, o engenheiro Carlos Schoepes, CEO da Replace Consultoria, pede moderação aos que esperam mudanças radicais nas contas de luz. “Em geral, o custo do fio, que inclui transmissão e distribuição, representa 40% da tarifa e a energia fica entre 50% e 60%. No Brasil, a energia vale entre 30% e 40%. Portanto, a chance de fazermos economia aqui é menor do que lá fora”, diz. Os principais gargalos, segundo ele, estão nos chamados “contratos legados” das distribuidoras, que são aqueles fechados por prazos de até 30 anos, que precisam ser equacionados, para que não haja sobra de energia nas distribuidoras e os custos sejam repassados aos clientes.

A entrada de novos consumidores gera otimismo no setor. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o setor investiu R$ 45,7 bilhões em 2022, contando com 27 GW de potência instalada, equivalente a 11,6% da matriz elétrica do país. “Os custos de construção e de logística são nossos diferenciais”, afirma Marcio Trannin, vice-presidente de geração centralizada do conselho da Absolar.

Atuando há 20 anos como comercializadora com a empresa Luz, o grupo Delta Energia anunciou a instalação de parques solares nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal, para geração de 100 MW, dos quais 50 MW a serem entregues ainda neste ano. “Estamos em sintonia com a abertura de mercado”, afirma Luiz Fernando Leone
Vianna, vice-presidente institucional e regulatório do grupo Delta Energia.

No caso da energia eólica, cerca de 75% dos contratos já são feitos no mercado livre, segundo Elbia Gannoum, presidente- executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica). O setor conta com 890 parques eólicos e geração de 25,04 GW. “O mercado de alta tensão é prioritário. Com a abertura, o mercado livre deve responder por até 95% da oferta.”

Com base nas experiências de outros países, o advogado Victor Gomes, sócio e especialista em energia do escritório LO Baptista, alerta quanto ao risco de eventual abuso de poder econômico, principalmente se for permitido às distribuidoras usar a mesma marca enquanto comercializadoras. “A credibilidade e a reputação da distribuidora podem influenciar o cliente. Esse problema foi detectado na França e a lei foi mudada, inclusive exigindo um novo (NPJ para a comercializadora”, afirma. Para Loureiro, da CCEE, a exigência de um CNPJ distinto faz sentido, mas ele não vê amparo legal que obrigue a distribuidora a usar uma marca diferente. “Os comercializadores obrigatoriamente serão empresas que atuam no mercado nacional. Somos rigorosos quanto à entrada de empresas sem experiência”, afirma.

Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/04/28/processo-de-abertura-promete-ser-longo.ghtml

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