Publicações

A importância do sandbox da CVM para o acesso das startups ao mercado de capitais

A importância do sandbox da CVM para o acesso das startups ao mercado de capitais

Legislação & Mercados
03/11/2021

Por – Reynaldo Vallu

Com a instituição do marco legal das startups por meio da Lei Complementar 182, de 1º de junho de 2021, as discussões a respeito da otimização do acesso das startups ao mercado de capitais foram retomadas. O referido marco delegou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a regulamentação de “condições facilitadas” para companhias de menor porte, mas as dificuldades enfrentadas por elas vão muito além das matérias que poderão ser dispensadas ou moduladas pelo regulador — como a flexibilização das publicações oficiais, a obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal e o pagamento do dividendo obrigatório, entre outras.

Fato é que carecemos de incentivos mais robustos e ambientes próprios para negociação de valores mobiliários de empresas emergentes de forma competitiva. O primeiro processo de sandbox regulatório da CVM, cujo resultado foi divulgado em 30 de setembro, evidenciou que diversas iniciativas estão alinhadas a essas necessidades. Das 34 propostas apresentadas, 19 referiram-se à constituição de mercados organizados e 7 à negociação secundária em tais mercados.

Iniciativas bem-sucedidas de mercados mais desenvolvidos demonstram que vale a pena apostar nesse nicho. Nesse sentido, soluções encontradas nos Estados Unidos e na China têm despontado recentemente: (i) a plataforma de negociação Nasdaq Private Market, criada em 2014 para negociação de valores mobiliários de companhias fechadas; e (ii) o segmento Star Market, da Shanghai Stock Exchange (SSE), criado em 2019 para companhias abertas de menor porte com foco em ciência e tecnologia.

No exemplo norte-americano, o sucesso da inciativa foi tamanho que a Nasdaq anunciou, em 20 de julho deste ano, a constituição de uma empresa autônoma e independente, na qual o Nasdaq Private Market será aportado e desenvolvido. Trata-se de uma joint venture da Nasdaq com os bancos Silicon Valley Bank (SVB), Citi, Goldman Sachs e Morgan Stanley. Espera-se que a nova empresa ganhe ainda mais envergadura e atinja status global como ambiente próprio para que empresas, corretores e investidores realizem operações privadas, incluindo a negociação de stock options de startups, propiciando mais liquidez a companhias fechadas em estágio anterior à abertura de capital.

No exemplo chinês, expressivos resultados nos dois primeiros anos de operação do Star Market na SSE encorajaram o governo local a anunciar, em 2 de setembro, planos para criação de uma nova bolsa em Pequim, com foco no financiamento de companhias de pequeno e médio porte. É a segunda vez que o presidente Xi Jinping anuncia pessoalmente iniciativas nesse sentido — em ambos os casos, em meio à guerra comercial travada com os Estados Unidos. A primeira delas ocorreu em 2018, justamente quando revelou planos a respeito do Star Market. Desde a sua criação, esse segmento já congregou mais de 300 empresas, com valor total de capitalização estimado em cerca de 728 bilhões de dólares.

No Brasil, iniciativas promissoras têm sido implementadas nas últimas décadas, mas com resultados tímidos. O Bovespa Mais, por exemplo, lançado em 2005 com o propósito de se tornar um segmento de acesso à bolsa, não vingou. Mais recentemente, em 2017, a CVM regulamentou a captação de recursos por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo (crowdfunding), com resultados até agora modestos em razão do escopo limitado que se pretendeu estabelecer, restrito ao mercado primário.

É justamente por causa desse último aspecto que o primeiro ciclo de sandbox da CVM mostra-se oportuno: o regulador permitirá a negociação em mercado secundário, em caráter experimental e temporário, por meio de uma plataforma de crowdfunding. Trata-se da BEE4, uma das três startups aprovadas pela CVM, que poderá realizar, com dispensa de algumas exigências, as atividades de constituição e administração de mercado de balcão organizado. Após a implementação desse projeto, os investidores poderão não apenas realizar aportes por meio da plataforma, mas também negociar suas posições com outros investidores.

Nesse contexto, a implementação de plataformas de negociação privada e a criação de segmentos específicos para empresas em fase inicial revelam-se como importantes alternativas a serem desenvolvidas para que tenhamos, finalmente, um mercado de acesso estabelecido, em linha com iniciativas globais já consolidadas nesse setor.

Disponível em: https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/a-importancia-do-sandbox-da-cvm-para-o-acesso-das-startups-ao-mercado-de-capitais/

Outras notícias
Tags