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A visão restritiva da Receita sobre a definição de insumos do STJ

A visão restritiva da Receita sobre a definição de insumos do STJ

JOTA
02/03/2019

Por — Wendell Rodolfo dos Santos e Amanda C. Boffo

Contribuintes devem estar atentos para que a conquista obtida não se perca

Desde a introdução do regime não-cumulativo de incidência da contribuição ao PIS e da COFINS, há quase duas décadas, foram inúmeros os embates entre o Fisco e os contribuintes com relação ao estabelecimento de critérios para a definição de quais seriam os insumos geradores de créditos para tais contribuições.

Em fevereiro de 2018, enfim, uma luz no fim do túnel parecia surgir com a conclusão do julgamento do RESP nº 1.221.170-PR, por intermédio do qual, em sede de recurso representativo de controvérsia, o STJ manifestou seu entendimento sobre o conceito de insumo para efeito de tomada de crédito daquelas contribuições, na forma do art. 3º, inciso II, das Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03.

A queda de braço até então perpetrada pelo Fisco e pelos contribuintes esteve, essencialmente, escorada em duas diferentes teses. A primeira delas, adotada pelo Fisco, aproximava os insumos do conceito de crédito físico de IPI, difundindo, essencialmente, como premissa a necessidade de contato efetivo do bem com o produto em fabricação ou de seu consumo na prestação de serviços para justificar o creditamento. A lógica contida nesta premissa acabou por tomar forma nas diretrizes emanadas pelas Instruções Normativas SRF nº 247/02 e nº 404/04, cuja aplicabilidade, por conter restrições ilegais sobre o conceito de insumo, acabaria por vir a ser afastada pelo STJ.

A outra tese, perfilhada pelos contribuintes, seria a do crédito financeiro, que, por sua vez, identifica como insumos os custos e as despesas operacionais da pessoa jurídica, de modo a admitir o creditamento sobre bens empregados direta ou indiretamente no processo produtivo e na prestação de serviços, independentemente da análise de sua pertinência ou de sua essencialidade para o efetivo desenvolvimento destes processos.

Nem uma e nem outra tese acabou sendo integralmente adotada pelo STJ ao deliberar sobre a questão. Antes, os contornos da decisão proferida por aquele Tribunal Superior acabaram por se valer de uma posição tida como intermediária.

Isso porque, se por um lado fora reconhecido que as Instruções Normativas SRF nº 247/02 e nº 404/04 extrapolaram sua função regulamentar, instituindo restrições não contidas nas Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03 acerca da apuração de créditos de PIS e COFINS sobre bens e serviços adquiridos, por outro lado o creditamento indistinto em relação a quaisquer despesas incorridas pela pessoa jurídica também foi afastado.

Pois bem, as teses firmadas pelo STJ restaram consignadas nos seguintes termos:

  1. é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF nº 247/02 e nº 404/04, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03; e
  2. o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

A partir da leitura das proposições indicadas acima, e que reúnem em si o teor do posicionamento firmado pelo STJ, verifica-se que por insumo deve ser entendido o bem ou serviço essencial ou relevante para o desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte.

A essencialidade e a relevância, por sua vez, enquanto parâmetros elementares para o reconhecimento ou não de determinado bem ou serviço como insumo, estão muito aquém da objetividade e clareza que se supunha dever ser a tônica das diretrizes de um Tribunal, que, dentre outros, tem por papel a unificação do entendimento jurisprudencial em relação a temas infraconstitucionais, eis que a subjetividade dos critérios que restaram definidos como referência (essencialidade e relevância) acabará por conspirar para a manutenção das atuais e de novas discussões existentes sobre o tema.

Em um exercício de perseverança, porém, os contribuintes pareciam poder extrair uma lógica realmente benéfica no conteúdo da decisão proferida pela Corte Superior: desta decisão para o futuro, sem prejuízo às discussões que acabariam por vir a ser travadas em razão da mencionada subjetividade dos critérios definidos como parâmetro, o artifício da taxatividade parecia não mais poder ser utilizado como fundamento para afastar o direito de creditamento.

Com efeito, após o julgado do STJ, a mera inexistência de uma norma que se ocupasse de pormenorizar com primorosa riqueza de detalhes determinado insumo – do tipo: “limões sicilianos, de até 15 gramas, colhidos durante o solstício de verão, podem ser considerados insumos para a concepção das limonadas” – já não mais serviria de argumento para o não reconhecimento do crédito decorrente de sua aquisição.

A ausência de previsão legal tantas vezes invocada pelo Fisco para justificar as glosas de crédito doravante deixaria de ser um argumento jurídico válido para tanto. A autoridade fiscal passaria a não mais poder afirmar que limões não são insumos, já que estes não constam de funesto rol taxativo previsto em não menos funesta norma complementar administrativa. Agora, ao se levar em conta as diretrizes do julgado do STJ, competiria à autoridade fiscal asseverar que limões não são insumos, eis que estes não são essenciais ou relevantes para a preparação de uma limonada (?).

É dizer que não existe qualquer resposta espontânea sobre determinado bem ou serviço ser ou não um insumo além de um sonoro “depende”. E o referido depende está ligado à essencialidade ou relevância deste item para a consecução das atividades da uma empresa. Se essenciais ou relevantes são insumos. Do contrário, não o são.
Afastar um legalismo surdo, comemoraram os contribuintes, seria o importante legado advindo do julgamento do RESP nº 1.221.170-PR. Trata-se, contudo, de uma conquista que, conforme veremos, dependerá de novos embates para não se tornar uma mera vitória de Pirro.

Isso porque, a Receita Federal do Brasil, na contramão da inaplicabilidade do legalismo que foi a tônica do julgamento do RESP nº 1.221.170-PR, e sob a justificativa de proceder à “concretização desses critérios” estabelecidos pelo STJ, ou seja, com o escopo de tornar objetivos (taxativos?) os parâmetros subjetivos consagrados pela Corte Superior, editou o Parecer Normativo nº 5/18. Disse o Superior Tribunal: “– Analisem caso a caso!”. Diz a Receita Federal: “– Vejam esta lista de situações que devem ser aplicadas de forma indistinta e genérica!”.

Se o escopo do Parecer Normativo já é perturbador e contrário à diretriz do STJ, sua leitura é de causar perplexidade. A partir de trechos “cuidadosamente” selecionados da decisão proferida no recurso paradigmático, a Receita Federal extrai levianamente conclusões como a de que o conceito de insumos não abrangeria as atividades comerciais, mas apenas as atividades de produção de bens destinados à venda e de prestação de serviços a terceiros.

O fato, no entanto, é que o STJ definiu o insumo como sendo o item essencial ou relevante para o desenvolvimento “da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”, não fazendo qualquer distinção relacionada ao tipo de atividade que determinada empresa exerce.

Em relação a este entendimento atroz em particular, aliás, um dos muitos contidos no aludido Parecer Normativo, o que se verifica, em termos práticos, é que a Receita Federal pretende que empresas comerciais obrigadas à apuração pelo regime não-cumulativo das contribuições não possam contabilizar crédito algum.

Ao que parece, para o Fisco às empresas comerciais deve-se aplicar um tipo novo regime, híbrido, de cumulatividade transvestida de não-cumulatividade, ou vice-versa, em relação ao qual não se possa apurar créditos (cumulatividade), mas haja alíquotas notadamente superiores (não-cumulatividade).

Por certo que o Parecer Normativo não para por aí. Tantas outras conclusões e orientações descabidas são em seu âmbito divulgadas, o que revela, em linha com a advertência feita anteriormente, que as discussões estão muito longe de um fim.

Isso sem se falar da evidente natureza ostensiva do ato normativo publicado pela Receita Federal, pautado no falacioso condão de orientação interna, eis que esta poderia ser conferida aos fiscais em cursos, palestras e orientações de seus superiores. O que a Receita Federal realmente parece pretender com a edição do Parecer Normativo em questão é sinalizar para os contribuintes que, em clara insubordinação às diretrizes estabelecidas pelo STJ, seguirá restringindo a classificação de insumos baseada tão somente na essencialidade e na relevância do bem para o desenvolvimento da atividade.

Para os representantes da Receita Federal, antes algo não era insumo porque não obedecia a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF nº 247/02 e nº 404/04, agora não o será porque, direta ou indiretamente, não estará em conformidade com determinada orientação contida no Parecer Normativo nº 5/18. O que mudou?

Como concluído anteriormente, os contribuintes devem estar atentos para que a conquista obtida em face ao legalismo exacerbado, obtida no julgamento do RESP nº 1.221.170-PR, não se perca, e que as discussões, se existentes, sejam promovidas com o intuito de demonstrar se determinado bem é essencial ou relevante para as atividades desenvolvidas por determinada empresa, o que, conforme determinado pelo STJ, deve ser objeto individual de análise, caso a caso, não sendo admitidas quaisquer generalidades como aquelas que a Receita Federal insiste em tentar promover.

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-l-o-baptista-advogados/a-visao-restritiva-da-receita-sobre-a-definicao-de-insumos-do-stj-02032019

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