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Considerações sobre a possível alteração estrutural no Conselho Administrativo de Defesa Econômica

Considerações sobre a possível alteração estrutural no Conselho Administrativo de Defesa Econômica

10/03/2023

Por – João Pedro Marques de Gracia Borges

No dia 13 de dezembro de 2022, foi aprovado no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados parecer favorável ao substitutivo do Projeto de Lei 4323/19, apresentado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, que altera as regras para a escolha dos integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

O texto do substitutivo aprovado pretende modificar a Lei de Defesa da Concorrência (12.529/2011), utilizando-se de diversos dispositivos trazidos pela Lei Geral das Agências Reguladoras (13.848/2019). Dentre essas alterações temos: redução no número de conselheiros que compõem o tribunal administrativo do CADE de 7 para 5 Conselheiros; imposição de novos requisitos técnicos para a investidura no cargo; vedações para indicados ao tribunal administrativo; o procurador-chefe do CADE passa a ser, obrigatoriamente, membro da Advocacia Geral da União; e a Superintendência-Geral passa a ter mandato de 4 anos, igualando-se ao mandato dos conselheiros, não permitida mais a sua recondução.

Segundo o parecer do Relator na CCJ, Deputado Kim Kataguiri, o projeto ao prever requisitos técnicos para investidura no cargo e vedações para indicação de membros ao tribunal, garante um tribunal administrativo “indubitavelmente qualificado” e consequentemente evitaria a “captura regulatória”.

Ademais, o Relator ainda afirma que a redução de cadeiras no tribunal administrativo reduz o custo e, consequentemente, o tamanho do Estado, bem como adequa o tribunal à demanda existente.

Apesar de meritório em alguns pontos, o projeto deixa de avaliar questões significativas, incluindo de natureza orçamentárias e políticas da autoridade antitruste.

De acordo com dados do Portal da Transparência, o CADE arrecadou um valor total de R$ 51.359.211,89[1] no ano de 2022, e teve uma despesa total (valor pago) no mesmo ano no valor de R$ 44.729.426,20[2], o que demonstra não apenas um saldo positivo, mas um uso responsável do orçamento público.

Além disso, o orçamento da autarquia está muito abaixo de outras agências ao redor do mundo. A título de exemplo, a Federal Trade Commission, autoridade antitruste norte-americana, declarou para o ano de 2022 um orçamento de 376.5 milhões de dólares.[3]

A declaração de que a redução de custos no CADE seria positiva vai contra a realidade apresentada. Cortar custos e realizar reformas institucionais é essencial para o desenvolvimento nacional, mas desde que demonstrada sua real necessidade e que não afete a eficiência do sistema.

No âmbito político, a captura regulatória deve ser analisada com mais detalhe. Entende-se por captura regulatória, a prática em que os entes economicamente mais fortes ou com interesses (políticos) na regulação em questão influenciam as agências a favorecer seus interesses no processo regulatório, quebrando a autonomia e independência da agência[4]. Esse efeito tem sido observado no Brasil e no mundo, e é um dos mais deletérios impactos ao fortalecimento institucional de um órgão.

A redução de membros no Tribunal do CADE, responsável por julgar condutas anticompetitivas e fusões de maior complexidade, tornaria mais fácil ocorrer a captura regulatória da autoridade antitruste, havendo menos membros a julgar (e questionar), e consequentemente, o número de conselheiros necessários para obter a maioria exigida em lei para a votação seria menor, mais facilmente atingida.

Ademais, com mandatos vencendo de forma concomitante e muitas vezes com algum atraso na indicação de nomes para composição, a probabilidade de o conselho ser trocado integralmente, de uma única vez, inclusive por um mesmo governo, aumenta de forma significativa a influência no tribunal.

Essa não é uma situação teórica: ao final do ano de 2023, 4 dos 6 membros do tribunal terão seus mandatos concluídos, possibilitando ao atual governo indicar 4 novos membros até o final do ano, o que já forma a maioria[5].

Além disso, cabe mencionar que, segundo estudo realizado pela FGV/SP, apenas em 58% dos casos analisados os dirigentes das agências reguladoras que foram indicados possuem trajetória profissional relacionada a atuação da agência[6], o que demonstra a relação política das agências com o Governo Federal.

Se faz necessário mencionar que há no projeto novos requisitos para indicação de seus membros, que possivelmente garantirão a tecnicidade do tribunal minimizando essa questão, como: (i) ter experiência profissional de, no mínimo 10 anos, no setor público ou privado, no campo de atividade do CADE ou em área a ela conexa, em função de direção superior; (ii) ter experiência mínima de 4 anos ocupando cargos de direção ou chefia superior em empresa, cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4, ou cargo de docente ou pesquisador no campo de atividade do CADE; (iii) experiência de 10 anos de atividade profissional liberal no campo de atividade do CADE ou área correlata.

Além disso, no caso de substituição, prevista para ocupar os cargos no período de vacância, o Projeto de Lei estabelece que a lista deve ser composta por 3 servidores do CADE, ocupantes de cargos de direção, chefia ou equivalente hierárquico, escolhidos e designados pelo Presidente da República entre os indicados pelo Tribunal Administrativo, observada a ordem de precedência constante do ato de designação para o exercício da substituição.

É verdade que todos esses critérios melhoram e podem exercer melhor direcionamento sobre as indicações e consequente composição do Tribunal. Esses pontos endereçam resoluções jurídicas para a questão ao modificar os critérios de seleção dos candidatos a conselheiros e prever critérios para a lista de substituição, garantindo uma robustez ao processo de escolha dos conselheiros e de transição até que sejam investidos.

No entanto, não olham tanto para o contexto político do diálogo institucional em que as agências estão inseridas[7], ou seja, deve ser debatido também, qual será a efetividade dos critérios técnicos elencados para escolha dos conselheiros em impedir que haja movimentações e articulações políticas para a captura regulatória da autoridade antitruste, garantindo ainda celeridade no processo de escolha e a real capacidade técnica.

Atualmente, o projeto tramita na Câmara dos Deputados de forma conclusiva, o que dispensa a deliberação do Plenário, sendo votado apenas pelas comissões designadas para analisá-lo[8]. No último dia 22 de dezembro de 2022, foi apresentado recurso contra o parecer terminativo, pelo Deputado Marcio Macêdo e outros, o que deverá encaminhar a matéria ao Plenário, ao invés de direcioná-lo diretamente ao Senado[9].

Espera-se que com isso a discussão seja ampliada e os todos os pontos envolvidos nesse debate sejam considerados na apreciação da matéria para uma melhor evolução do projeto e, consequentemente, do direito da concorrência.

[1] Detalhamento da Receita Pública, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Ano 2022. Disponível em <Detalhamento da Receita Pública – Portal da transparência (portaldatransparencia.gov.br)>. Acesso em 11 de janeiro de 2023.

[2] Orçamento da Despesa Pública, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Ano 2022. Disponível em < Orçamento da Despesa Pública – Portal da transparência (portaldatransparencia.gov.br)>.Acesso em 11 de janeiro de 2023.

[3] Budget and Strategy, Federal Trade Commission. Disponível em< Budget and Strategy | Federal Trade Commission (ftc.gov)> Acesso em 11 de janeiro de 2023.

[4] MELO, Thiago Dellazari. A “CAPTURA” DAS AGÊNCIAS REGULADORAS: Uma análise do risco de ineficiência do Estado Regulador. 2010. F. 126. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito de Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

[5] Maioria dos Conselheiros do CADE vai mudar em 2023. Valor Econômico. 09/11/2022. Disponível em < Maioria dos conselheiros do Cade vai mudar em 2023 | Política | Valor Econômico (globo.com)>. Acesso em 20 de janeiro de 2023.

[6] SALAMA, Bruno Meyerhof; BARRIONUEVO, Arthur; PALMA, Juliana Bonacorsi de; DUTRA, Pedro. Processo de Nomeação de Dirigentes das Agências Reguladoras: uma Análise Descritiva. 2016. Disponível em < 02_grp_-_relatorio_de_pesquisa_-_nomeacao_de_dirigentes_nas_agencias_reguladoras_sponsor.pdf (fgv.br)>. Acesso em 20 de janeiro de 2023.

[7] Sundfeld, Carlos Ari; ROSILHO, André Janjácomo. Direito da Regulação e Políticas Públicas. São Paulo: Malheiros, 2014.

[8] O projeto perde seu caráter conclusivo se houver decisão divergente entre as comissões ou se, independentemente de ter sido aprovado ou rejeitado, houver recurso assinado por 52 deputados para a apreciação da matéria no Plenário.

[9] Ficha de tramitação do PL 4323/19. Disponível em <Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)>. Acesso em 13 de janeiro de 2023.

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