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Cultivo de Cannabis chega ao Superior Tribunal de Justiça

Cultivo de Cannabis chega ao Superior Tribunal de Justiça

Sem data definida para o julgamento, mas com questões importantes a serem definidas, de grande repercussão social, está em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), desde 07.07.2022, o Recurso Especial Nº 2.024.250/PR, processo que traz à tona a discussão acerca do cultivo de Cannabis  e que deverá enfrentar a questão relativa à possibilidade de Concessão de Autorização Sanitária para importação e cultivo de variedades da planta Cannabis, com baixo teor de Tetraidrocanabinol (“THC”) – inferior a 0,3% (sem efeito psicoativo) e com alta concentração de Canabidiol (“CBD”), para usos medicinais, farmacêuticos e industriais.

Dentro do contexto do referido Recurso Especial, o STJ deverá decidir se entidades privadas com fins lucrativos também poderão importar e cultivar Cannabis visando a produção de medicamentos e subprodutos destinados exclusivamente aos usos medicinais, farmacêuticos ou industriais, já que atualmente há decisões judiciais pontuais autorizando associações de pacientes e instituições de pesquisa a realizar o cultivo de Cannabis.

Importante salientar que, dada a relevância e repercussão do tema, o STJ instaurou o Incidente de Assunção de Competência (IAC), procedimento previsto no art. 947 do Código de Processo Civil (“CPC”), cuja aplicação é autorizada quando a decisão envolve questão relevante de direito com repercussão social, sendo importante destacar que a decisão proferida nesses casos deve ser observada por todos os juízes e órgãos (Art. 947, §3º, CPC), servindo portanto como diretriz para as futuras decisões e aquelas ainda pendentes, uma vez que os tribunais não poderão julgar de forma diversa da decisão/orientação do STJ.

Convém mencionar, ainda, que a instauração do IAC foi realizada por meio de decisão proferida em 07.03.2023 (vide aqui a decisão), ocasião em que foi determinada a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre o tema, sendo certo que o STJ já oficiou diversos agentes importantes para se manifestar no processo, dentre os quais a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“ANVISA”), o Conselho Federal de Medicina (“CFM”), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (“MAPA”), entre outros agentes.

Não menos importante é o fato de o Recurso Especial traduzir uma grande expectativa por parte do setor regulado, uma vez que referido setor entende que o julgamento já é benéfico, antes mesmo de saber se a decisão definitiva será favorável ou não ao plantio nos moldes acima explicitados, pois estimula o debate e a reflexão sobre o alcance das vedações e exceções determinadas pela Lei nº 11.343, de 2006, também conhecida como Lei Antidrogas, que veda o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos que possam ser utilizados na exploração de drogas, cujas exceções serão tratadas adiante no presente texto.

Antes de nos aprofundarmos nesse ponto, é importante salientar que no cenário atual a ANVISA está trabalhando na revisão da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 327 de 09/12/2019, norma que dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins exclusivamente medicinais.

Com base da RDC 327/2009, o Brasil já dispõe 26 Produtos de Cannabis devidamente autorizados pela ANVISA, sendo importante destacar que há mais de 55 pedidos de Autorização Sanitária aguardando análise da Agência.

Além disso, também aumenta a expectativa sobre o julgamento no STJ o fato de que no final do ano de 2022,  o CFM publicou a Resolução CFM nº 2.324/2022, por meio da qual à aplicação terapêutica do Canabidiol havia sido limitada, mas a norma foi revogada logo em seguida por conta da grande repercussão negativa. No entanto, embora a referida Resolução tenha sido revogada, o CFM colocou o tema em Consulta Pública, visando aprimoramento do texto para possível publicação de uma nova norma.

A Resolução CFM nº 2.324/2022 limitava a aplicação do Canabidiol apenas para o tratamento de epilepsias na infância e adolescência  refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa, ficando afastada (vedada) a prescrição de Canabidiol para qualquer indicação terapêutica diversa daquelas acima indicadas, salvo em casos de estudos clínicos autorizados pelo Sistema CEP/CONEP.

Ainda no tocante ao tema Cannabis, embora em passos mais lentos, o assunto também está sendo debatido no âmbito do Poder Legislativo, sendo certo que atualmente diversos Projetos de Leis (“PLs”) atrelados ao tema têm sido apresentados e discutidos, inclusive para fornecimento de Canabidiol via Sistema Único de Saúde (“SUS”).

Retornando aos aspectos da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, convém mencionar que o referido dispositivo legal já prevê que a União pode autorizar o plantio, a cultura e a colheita de, entre outras coisas, a Cannabis, desde que para fins medicinais ou científicos, mas, por ausência de uma regulamentação mais ampla e que garanta mais segurança jurídica, essa autorização não viabilizou a atuação do setor farmacêutico.

Por esse motivo, alguns projetos tramitam nas duas Casas do Legislativo, dentre os quais destaca-se o PL n° 399/2015, que, se aprovado nos termos do  substitutivo adotado pela Comissão Especial responsável pelo referido PL, representará grande avanço no assunto, tendo em vista que passou por diversas discussões, contando, inclusive, com a participação de diversos setores e representantes do mercado, vindo a ser efetivamente uma proposta de marco regulatório da Cannabis spp. no Brasil.

Se aprovado conforme proposto, o texto permitirá as atividades de cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, manipulação, comercialização e exportação de produtos à base de Cannabis spp, no entanto, é importante salientar que o referido PL segue parado na Câmara dos Deputados desde 16.11.2021.

Não obstante, o tema está avançando na ANVISA, no CFM e, conforme enfatizado, no STJ, sendo certo que esse avanço pode reascender os andamentos do assunto no Congresso Nacional.

Por fim, é importante salientar que as discussões e participação de diversos agentes do setor, que poderão encaminhar manifestações ao STJ, irão gerar enriquecimento do tema e, como resultado, serão trazidas importantes definições atreladas ao tema, com esperados benefícios aos pacientes, ao setor regulado e, inclusive, ao aprimoramento da legislação.

Co-autoria: Marcos Silva Santiago e Sueli Freitas Veríssimo

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