O Globo – 25/06/2019
Por Ramona Ordoñez e Bruno Rosa
Plano lançado pelo governo prevê queda de até 40% no custo do combustível em dois anos e abre caminho para shale gas
Especialistas divergem sobre o impacto do plano estratégico para forçar a concorrência e provocar a redução do preço do gás natural , anunciado pelo governo nesta segunda-feira. Fatores como aumento da produção e redução de impostos vão influenciar. O Conselho Nacional de Política Energética ( CNPE ) divulgou uma série de medidas com o objetivo de reduzir o preço do combustível no país para indústrias, termelétricas e residências. De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes , as medidas podem gerar redução de 40% no preço do gás em dois anos — o que equivale a um incremento de 8,46% no PIB da indústria, nas contas do governo.
A resolução do CNPE também prevê que a exploração de gás natural em terra via fraturamento hidráulico do solo, o shale gas , volte a ser estudada. Disseminado nos EUA, o método é criticado por ambientalistas.
Para Márcio Balthazar, da NatGas Economics, a abertura de espaço pela Petrobras vai atrair competidores, mas ainda é prematuro estimar redução no preço do gás:
— O desgargalamento do mercado de gás vai permitir um compartilhamento dos riscos do suprimento que hoje praticamente eram da Petrobras . Isso vai trazer novos agentes com investimentos em mais logística de suprimento, o que vai se transformar em benefícios com redução de preços. Mas não se deve arriscar o quanto deve cair o preço, é muito prematuro.
Já Rebecca Maduro, sócia da área de energia do L.O. Baptista Advogados, acredita que a projeção de queda do preço do gás em 40% nos próximos anos é factível:
— Essa queda é factível sim, mas só vamos chegar a essa redução se toda a reserva de gás for produzida, se o uso da malha de dutos for ampliada e o custo de distribuição for reduzido.
O professor Edmar Almeida, da UFRJ, concorda, mas observa que a queda do custo do gás na proporção esperada pelo governo também depende de redução dos impostos que incidem sobre o combustível, além dos royalties, com um peso de cerca de 25% no preço final.
— Se o preço do gás cair, a indústria vai ter mais investimentos, pois existe essa demanda. No caso do setor químico, quase 100% dos insumos são importados — diz Almeida. — O governo precisa reduzir a carga tributária para pensar em um preço menor do gás no país. Não basta apenas aumentar a competição. É preciso resolver a questão tributária.
Entre as propostas listadas pelo CNPE, composto por nove ministros, está o mapeamento de trechos ociosos de gasodutos que poderão ser operados pela iniciativa privada e a adesão, pelos estados, ao programa do governo. Eles poderão, voluntariamente, optar pela quebra do monopólio que detêm na distribuição do gás encanado, previsto pela Constituição. O governo vai apresentar as medidas ao Congresso, que vai avaliar o que pode ser implementado via projeto de lei.
Atualmente, a Petrobras é dona da maior parte dos gasodutos do país. Mesmo tendo iniciado a venda de parte de sua malha, mantém o uso exclusivo, por meio de contratos. Na prática, permanece seu monopólio no setor, quebrado em 1997. Sem acesso à infraestrutura, as outras petroleiras acabam vendendo o gás que produzem para a Petrobras.
A indústria brasileira paga pelo gás cerca de US$ 13 pelo metro cúbico, segundo dados do Ministério de Minas e Energia. Nos EUA, o custo é de pouco mais de US$ 3. Na Europa, cerca de US$ 7. Segundo o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a cada 10% de redução no preço do gás, o PIB industrial do país pode subir 2,1%. Na visão de Guedes, a redução do preço do gás com maior competição promoverá o crescimento da economia como um todo, no que ele tem chamado de “coque de energia barata”.
O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, destacou que essa é a primeira vez que o país define uma política energética para o gás, que se soma à discussão atual sobre a abertura do mercado de refino de combustíveis, com a perspectiva de venda de refinarias da Petrobras.
— Depois de pouco mais de 20 anos do fim do monopólio, o conjunto de ações que vem sendo definido proporcionam uma extraordinária e completa abertura do setor de óleo e gás — destacou Oddone.
De acordo com diretor da ANP, o Estado do Rio será um dos mais beneficiados com as medidas, considerando que cerca de 70% dos campos de óleo e gás do pré-sal estão na costa fluminense:
— O aumento do consumo de gás vai ter baratear o preço do gás e o Estado do Rio vai ficar de frente para o gol, será o mais beneficiado.
A Petrobras informou que só vai se manifestar quanto tiver acesso à resolução do CNPE.
Fonte: O GLOBO