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Mercados digitais de múltiplos lados e as novas demandas da análise antitruste

Mercados digitais de múltiplos lados e as novas demandas da análise antitruste

30/1/2020

Mercados Digitais são, por natureza, marcadamente dinâmicos e estão em constante inovação, provocando a necessidade de adaptações dos sistemas tradicionais para acomodar as eventuais disrupções que causam aos sistemas estabelecidos. Isto não é diferente para a análise antitruste: as ferramentas tradicionais podem não ser suficientes para a análise dos mercados, impactando toda a política de defesa da concorrência. A definição de mercado relevante é um dos exemplos.

A análise antitruste parte da definição dos mercados envolvidos, de forma a limitar o conjunto de players que geram forças competitivas entre si. Tradicionalmente, a definição de mercado relevante é conjuntamente baseada na dimensão do produto e na dimensão geográfica, de maneira a verificar a substitubilidade de determinado produto, em uma certa região. Alguns casos também utilizam o critério temporal na análise, uma vez que um produto que não é substituível hoje, poderia ser amanhã.

Existem, contudo, atividades que envolvem interesses de agentes diferentes, tornando a definição do mercado ainda mais complexa. Denominados Mercados Relevantes de Múltiplos Lados, estes são caracterizados pela interação entre grupos distintos em que a demanda de uma ponta afeta diretamente a outra. Nos mercados digitais as grandes plataformas provedoras de serviços, como Uber, Google, Amazon, Facebook, dentre muitas outras, são exemplos de mercados de múltiplos lados.

Características desses mercados de múltiplos lados em ecossistemas digitais tornam a sua compreensão sob a ótica antitruste bastante complexa, porque, quando aplicados, os métodos de análise tradicionais não refletem as particularidades e a interdependência entre as diferentes pontas, nem mesmo a importância dos efeitos de rede para as plataformas. Ou seja, não refletem o impacto em outras partes da conduta de um único player. Esse cenário pode ser bastante problemático, uma vez que esses mercados normalmente têm tendências monopolísticas, ou seja, inclinados para a existência de um único player dominante por serem mercados que exigem alto nível de investimento em pesquisa e em tecnologia.

Nesse sentido, a União Europeia tem se mostrado cada vez mais preocupada com o reconhecimento dessas características de mercados de múltiplos lados e os seus efeitos sobre os consumidores na economia digital. Por exemplo, em março do ano passado, a autoridade antitruste europeia decidiu que o sistema Android não poderá mais utilizar o buscador do Google como default em seus aparelhos. Assim, a partir do segundo trimestre de 2020, os usuários de Android poderão optar por diferentes mecanismos de pesquisa além do Google na tela principal de seus smartphones, fato que tanto robustece o poder de escolha dos usuários, quanto aumenta a competição dos mecanismos de busca (daí os dois lados desse mercado).

Assim, sendo crescentes as inovações dos mercados na economia digital, é de se esperar a também a proporcional transformação nas ferramentas de análise aplicadas pelas autoridades antitruste, para preservar o delicado equilíbrio entre a manutenção do fluxo de inovações e a promoção da concorrência.

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