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O plano da Aena para o Brasil

O plano da Aena para o Brasil

IstoÉ Dinheiro
22/03/2019

Por — Carlos Eduardo Valim

Estatal espanhola que é a maior operadora de terminais do mundo paga ágio de 1.010% em leilão de aeroportos no Nordeste. Como ela pretende lucrar?

Muitos aeroportos servem como tela para arquitetos renomados demonstrarem as suas habilidades no traço, mas poucos provocam tanta admiração quanto o terminal 4 de Barajas, em Madri, com o seu teto ondulante que parece flutuar. Utilizado para voos internacionais, ele foi desenhado pelo celebrado escritório do britânico Richard Rogers (também um dos idealizadores do Centro Georges Pompidou, em Paris). O projeto foi eleito em 2006 pelo Prêmio Stirling como a construção de maior impacto para a evolução da arquitetura. Depois de desenhado e construído com esmero, coube à empresa Aena a administração do terminal e de todo o aeroporto madrilenho.

Estatal espanhola voltada à operação dos aeroportos daquele país, a Aena não lembra em nada a nossa Infrero. Responsável pelo funcionamento de 46 aeroportos e de dois heliportos na Espanha, a empresa começou a se internacionalizar em 1997 e hoje é a maior operadora aeroportuária do mundo em número de passageiros. Em 2018, foram 335 milhões de pessoas. Por meio da Aena Internacional, ela administra 17 aeroportos no México, Colômbia, Jamaica e Reino Unido — o de Luton, próximo a Londres.

Na sexta-feira 15, a Aena aportou no Brasil ao arrematar o bloco mais desejado do último leilão de aeroportos: o do Nordeste, que inclui Recife, Maceió, Aracaju, João Pessoa e Juazeiro do Norte, na Paraíba. Em conjunto, eles devem ter um tráfego de 13,2 milhões de passageiros em 2019. Ao pagar R$ 1,9 bilhão pela concessão de 30 anos, um ágio de 1.010,69% em relação ao preço inicial, a espanhola demonstrou apetite pelo mercado nacional e deixou para trás a Zurich Airport International, que disputou o leilão lance a lance.

A rival suíça ficou com o bloco que inclui os aeroportos de Vitória e de Macaé, no Rio de Janeiro, por R$ 437 milhões. Eles se somam às operações de Florianópolis e de Confins, em Belo Horizonte, que a companhia já havia conquistado em rodadas anteriores. “A vitória da Aena foi inesperada, porque ninguém sabia como ela iria se comportar na disputa”, diz David Goldberg, sócio da consultoria Terrafirma. “Vai ser o maior investimento da empresa fora da Espanha.”

Juan José Álvarez, diretor internacional da Aena, declarou que pretende participar dos próximos leilões para crescer ainda mais no Brasil. A meta é adquirir aeroportos que recebam acima de 7 milhões de passageiros por ano. “A Aena tem um plano estratégico de crescer na América Latina”, disse Álvarez. O governo federal anunciou já na segunda-feira 18 um edital para a sexta rodada de concessões, programada para 2020, que vai incluir 22 aeroportos das regiões Sul, Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Há ainda “joias da coroa” à disposição, mesmo depois de aeroportos importantes já terem sido negociados em rodadas anteriores, como os de Recife, Guarulhos (SP), Galeão (RJ) e Brasília (no quadro ao final da reportagem). “Imagino que o mais valioso ativo ficará por último, o aeroporto de São Paulo”, diz o advogado Alberto Sogayar, sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados.

A Aena tem fôlego financeiro para a disputa. O faturamento da estatal subiu 7,3% para € 4,32 bilhões, em 2018. O lucro líquido cresceu 7,8%, para € 1,33 bilhão. O valor de mercado da companhia, cotada na bolsa de valores espanhola desde 2015, está em € 24,3 bilhões. Álvarez afirma que a empresa usará recursos próprios para bancar tanto o valor de outorga, a ser pago na assinatura do contrato, quanto os R$ 788 milhões para investir nos primeiros cinco anos de operações.

“Ela deve estar projetando um crescimento de tráfego bem agressivo para o Brasil”, diz Thiago Nykiel, CEO da Infraway Energia, responsável pelos estudos de viabilidade dos aeroportos leiloados e que deve fazer o mesmo trabalho na próxima rodada. “Como tem acesso, na Europa, a dinheiro emprestado a taxas de juros muito mais baixas, ela topou pagar um grande ágio. As empresas europeias estão acostumadas a retornos mais baixos por investimento, pois atuam em mercados maduros. Uma lucratividade de 3% é aceitável para o acionista.”

Hub do Nordeste Por conta disso, desenha-se uma disputa entre grupos europeus pelos aeroportos do País. Além da Aena e da Zurich, já possuem operações aqui a francesa Vinci Airports (que ganhou a concorrência por Salvador, em 2017) e a alemã Frankfurt Airport Services, vencedora de Fortaleza e Porto Alegre, no mesmo ano. Ambas também participaram da disputa deste mês, mas saíram perdedoras. A expectativa dos analistas é ver qual aeroporto do Nordeste pode se constituir no maior hub de voos entre a América Latina e a Europa. A briga deve ser pesada entre Fortaleza, Salvador e Recife.

A Aena tem uma vantagem extra ao assumir o último aeroporto porque a Azul, do empresário David Neeleman, utiliza o local de forma estratégica. É importante lembrar que o mesmo empresário controla a portuguesa TAP, o que pode tornar provável uma conexão entre Recife e a Península Ibérica. O analista Goldberg, da Terrafirma, destaca que a palavra final costuma ser das empresas aéreas, mas um aeroporto bem administrado pode fazer a diferença no momento da escolha.

Fonte: https://www.istoedinheiro.com.br/o-plano-da-aena-para-o-brasil/

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