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Métodos autocompositivos como o futuro da recuperação de empresas

Métodos autocompositivos como o futuro da recuperação de empresas

2/12/2021

Não é de hoje que o Poder Judiciário brasileiro está assoberbado. O número de ações judiciais propostas é demasiadamente desproporcional ao número de juízes togados disponíveis para julgá-las. Esse é um dos motivos pelos quais o tempo médio para prolação de sentença de primeiro grau nas varas estaduais é de 5 anos e 2 meses, segundo recente pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1].

Essa realidade brasileira colocou um holofote sobre os meios adequados de solução de conflitos, tais como, a conciliação, a mediação e a arbitragem, sendo o Brasil, atualmente, um sistema multiportas.

Nesse sentido, em 2015, o Código de Processo Civil positivou os institutos da conciliação e da mediação, em seção específica (Seção V), e, ainda em 2015, a Lei 13.140/2015 regulou a mediação.

Embora ambos os institutos já fossem utilizados, ainda que de forma comedida, a partir dessas inovações legislativas tais mecanismos passaram a ser mais empregados, tanto para solução de casos pequenos como para casos complexos e relevantes. A título de exemplo, vale mencionar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de 2017, que, no âmbito do Pedido de Tutela Provisória Nº 1.049 – RJ, permitiu a realização de mediação entre a empresa Oi e seus credores durante sua recuperação judicial – na época, a maior da história do país.

Como se sabe, o processo de recuperação judicial é um método que objetiva viabilizar a manutenção das atividades da empresa que se encontra em dificuldade financeira e perpassa, necessariamente, pela participação direta dos credores na deliberação do projeto de soerguimento da empresa, haja vista que a preservação de seus interesses é um dos pilares estruturadores do processo.

Nesse cenário, evidente que o emprego de métodos de solução de conflitos que possibilitam a autocomposição é crucial.

Assim, em dezembro de 2020, foi publicada a Lei 14.112/2020, que promoveu alterações na Lei de Recuperação Judicial. Com o objetivo de dar mais fôlego para as empresas em dificuldade financeira, a nova lei foi expressa ao incentivar a mediação e a conciliação em recuperações judiciais, admitindo-se o emprego dos mecanismos de forma antecedente, ou seja, antes da propositura da ação, ou incidental, já no curso do processo.

A lei listou um rol exemplificativo de situações em que os métodos podem ser utilizados, como (i) em disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolvem credores não sujeitos à recuperação judicial e (ii) existindo créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de calamidade pública, para assegurar a prestação de serviços essenciais, entre outros.

Diante de tal alteração legislativa, em agosto de 2021 foi realizada a II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, que aprovou diversos enunciados relacionados ao uso da mediação e da conciliação em recuperações judiciais e extrajudiciais.

O Enunciado 222, em especial, disciplina que: “O juiz incentivará, com o auxílio do administrador judicial, a desjudicialização da crise empresarial, seja nos processos de recuperação judicial, seja extrajudicial, como forma de encontrar a solução mais adequada ao caso e, com isso, concretizar o princípio da preservação da atividade viável”.

Importante ressaltar que os membros integrantes da Jornada entenderam que a normatização do uso dos métodos autocompositivos de solução de conflitos se mostrou como “importante mudança cultural”, de forma a auxiliar as empresas em soerguimento a encontrarem o melhor método para a solução rápida e eficaz de suas controvérsias.

É possível concluir que, apesar do longo lapso temporal existente entre a Lei de Recuperação Judicial, de 2005, e a inserção positivada dos meios autocompositivos, atualmente, há consenso quanto aos benefícios da utilização dos institutos em processos de recuperação, seja judicial ou extrajudicial.

Portanto, agora, além de ser possível, é desejável que tanto a mediação quanto a conciliação sejam amplamente utilizadas na consecução dos objetivos da recuperação de empresas, quer seja para dinamizar o processo e viabilizar a aprovação do projeto recuperacional, quer seja para harmonizar os interesses envolvidos e evitar atritos maiores.

Coautoria de: Julia Guimarães Rossetto e Patricia Trompeter Secher


[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em-numeros2021-051121.pdf

 

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