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Medida Provisória altera regras de preços de transferência

Medida Provisória altera regras de preços de transferência

5/1/2023

A Medida Provisória nº 1.152, publicada no dia 29 de dezembro de 2022, revogou os artigos 18 a 23 da Lei nº 9.430/1996, alterando as regras de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as transações sujeitas à aplicação das regras de Preços de Transferência. Há tempos uma norma nesse sentido era aguardada.

Em meados de abril de 2022, a Receita Federal do Brasil (RFB) anunciou que estava estudando a possibilidade de realizar alterações, a fim de aproximar o sistema brasileiro daquele utilizado pelos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Conforme a MP 1.152, as mudanças já produzirão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2023 para contribuintes que optarem pela aplicação imediata das novas regras. Eles deverão manifestar o interesse formalmente por meio de procedimento e condições que ainda serão estabelecidas pela Receita Federal. Para os demais, as regras passarão a valer automaticamente a partir de 1º de janeiro de 2024.

As alterações são relevantes e o momento se mostra adequado para reavaliar as transações e políticas de preços intercompany até então adotadas, planejando e antecipando impactos oriundos do novo modelo – e, quando necessário, alterando modelos atualmente implementados através de melhorias ou mudanças.

As modificações são muitas, assim como as possibilidades e os efeitos delas decorrentes. Nesse sentido, se faz necessária uma análise detalhada da situação atual de cada empresa, inclusive para avaliar o momento oportuno de adesão às novas alterações (se em 2023 ou em 2024).

Confira abaixo os principais pontos trazidos pela MP:

1. O princípio do Arm’s Length

A nova legislação abandona a sistemática de cálculo baseado em margens fixas, tendo sido substituído pelos testes de comparabilidade, que melhor consagram o princípio do Arm’s Length. O referido princípio, adotado pela OCDE no relatório “Transfer Pricing Guidelines”, estabelece que os termos e as condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis.

Com base na MP promulgada, pode-se adiantar que a nova legislação de Preços de Transferência implicará uma flexibilidade maior para a escolha da transação base a ser utilizada no cálculo do Preço de Transferência pelo contribuinte. Isso porque, a legislação determina que o delineamento da transação controlada será efetuado com fundamento na análise dos fatos e das circunstâncias da transação, devendo ser “consideradas as opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes da transação controlada, de modo a avaliar a existência de outras opções que poderiam ter gerado condições mais vantajosas para qualquer uma das partes e que teriam sido adotadas caso a transação tivesse sido realizada entre partes não relacionadas, inclusive a não realização da transação”.

Trata-se de um avanço em relação à legislação anterior, que apresentava critérios limitados para a aplicação dos métodos de Preço de Transferência.

2. Os métodos de cálculo do Preço de Transferência

A Lei nº 9.430/96 previa somente três métodos para o cálculo dos Preços de Transferência, admitindo variações dentro deles, estando a cargo das empresas a escolha do mais conveniente a cada ano fiscal. Ocorre que, em divergência às recomendações da OCDE, os métodos levavam em conta margens fixas, o que muitas vezes representava um problema para a consagração do princípio do Arm’s Length.

Por sua vez, a MP 1.152/22 inova e elenca cinco métodos diferentes, mas define que, diante de dados disponíveis, será mais apropriado usar o Preço Independente Comparável (PIC). Esse método consiste em confrontar a transação entre empresa e determinada parte relacionada com outros negócios realizados entre partes não relacionadas.

Além da manutenção do PIC, os métodos do Preço de Revenda e Custo Mais Lucro (‘PRL’ e ‘CPL’/novo ‘MCL’) foram reformulados, não sendo mais pautados em margens fixas, de modo que estes agora dependem da análise das transações não controladas e se pautam no ajuste das margens brutas auferidas na revenda e produção com base na comparação dessas.

Houve também a introdução dos métodos de Margem Líquida e Divisão do Lucro (‘MLT’ e ‘MDL’), os quais são baseados na comparabilidade das margens líquidas auferidas pelos diferentes atores da cadeia de produção e distribuição.

Por fim, o inciso VI do Artigo 11 da MP também prevê a possibilidade de aplicação de “outros métodos”, passando a permitir que uma metodologia alternativa seja aplicada desde que produza resultado consistente com o que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas. A metodologia alternativa está sujeita a processos de consulta específicos a serem desenvolvidos perante a RFB, sujeitos à cobrança da taxa inicial de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e cujo procedimento completo ainda deverá ser regulamentado pelas autoridades fiscais.

Quanto a isso, vale mencionar que as regras continuam a valer para operações com partes não relacionadas, quando residentes ou domiciliadas em país que não tribute a renda (ou que a tribute com alíquota máxima inferior a 17%), ou que se beneficie de regime fiscal privilegiado.

3. Ampliação da definição de parte relacionada

O novo texto considera como partes vinculadas “as entidades incluídas nas demonstrações financeiras consolidadas, ou que seriam incluídas caso o controlador final do grupo multinacional de que façam parte preparasse tais demonstrações se o seu capital fosse negociado nos mercados de valores mobiliários de sua jurisdição de residência”.

Ademais, é importante notar que o §1º do artigo 4º da referida Medida Provisória, ao listar o que na legislação anterior seria um rol taxativo de hipóteses de configuração de parte relacionada, amplia a definição para abarcar outras hipóteses que se enquadrem no conceito descrito acima.

Pode-se concluir, com base nesse dispositivo, que a lista de hipóteses de partes relacionadas passa a ser exemplificativa, ficando a critério da Receita Federal determinar a suficiência da influência de uma entidade nas transações de outra para fins de aplicação das regras de Preço de Transferência.

A MP 1.152 também incluiu no rol de hipóteses de partes relacionadas àquelas partes cuja relação de influência, direta ou indireta, possa impactar os preços praticados nas operações, o que denota uma sinalização no sentido de ampliação desse conceito.

4. Ajuste Espontâneo, Compensatório, Primário e Secundário

Além disso, a MP 1.152 passou a prever duas formas de ajuste da base de cálculo pelo contribuinte: ajustar diretamente a apuração do IRPJ e da CSLL (“Ajuste Espontâneo”) ou ajustar o valor das transações de forma tal que o seu resultado seja equivalente a uma parte não relacionada (“Ajuste Compensatório”).

Em caso de discordância por parte da RFB, a Autoridade Fiscal pode adicionar o IRPJ e a CSLL caso os termos e as condições da transação controlada tivessem sido estabelecidos de acordo com o princípio do Arm’s Length (“Ajuste Primário”).

Os ajustes realizados diretamente na apuração do IRPJ e da CSLL podem desencadear a necessidade do ajuste ‘secundário’, que é uma consequência de possíveis incongruências nos livros fiscais, como no caso em que os montantes foram enviados indevidamente ao exterior. Nesse caso, a parte brasileira deverá ser reembolsada, sendo considerado como crédito concedido às partes relacionadas, remunerados à taxa de juros de 12% ao ano (ou 0% caso seja reembolsado totalmente no prazo de 90 dias).

5. Alterações relacionadas a royalties

Em relação especificamente aos royalties, foram revogados os antigos limites de dedutibilidade, sendo que não serão mais dedutíveis apenas os valores de royalties de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante devidos a entidades residentes ou domiciliadas em país ou dependência com tributação favorecida ou que sejam beneficiadas de regime fiscal privilegiado, mas também quando a dedução dos valores resultar em dupla não tributação. Embora o limite de dedutibilidade dos royalties tenha sido revogado, os valores remetidos a título de royalties passarão a estar sujeitos às regras de preços de transferência, o que decorre da previsão específica na MP em relação aos ativos intangíveis.

6. Transações com intangíveis

Uma das inovações trazidas pela MP é a possibilidade de que as transações com intangíveis se sujeitem às normas de Preço de Transferência.

Nesse sentido, o delineamento das transações envolvendo intangíveis será efetuado em conformidade com o princípio do Arm’s Length e levará em consideração a identificação dos intangíveis, a determinação de sua titularidade, das partes que desempenham as funções, utilizam ativos e assumem os riscos economicamente significativos associados ao intangíveis, bem como as partes responsáveis pela concessão de financiamento ou fornecimento de outras contribuições em relação ao intangível.

7. Desconsideração da transação realizada pelo contribuinte

O Artigo 8º da MP preconiza que, caso a RFB conclua que determinada operação controlada não teria sido realizada nos mesmos moldes entre partes não-relacionadas “agindo em circunstâncias comparáveis e comportando-se de maneira comercialmente racional”, a própria operação (e não apenas o preço praticado) poderá ser desqualificada e substituída por uma outra operação determinada pela autoridade fiscal (como operação de capital ou operação de dívida).

Esse ponto merece atenção em razão das possíveis discussões jurídicas que podem decorrer da redação do dispositivo. Isso porque a desconsideração da operação tal como delineada pelo contribuinte poderia resultar em uma analogia gravosa, em violação ao art. 108, §1º do Código Tributário Nacional e, além disso, possibilitaria desenquadrar uma operação e reenquadrá-la em uma operação de dívida ou capital, demandando eventuais ajustes dos juros e indedutibilidade dos valores pagos.

8. Prazo para conversão em Lei

Após a publicação da Medida Provisória, o Congresso Nacional tem até 120 dias para convertê-la em lei com possíveis alterações. No caso de não ser convertida em lei, o Congresso Nacional deverá regular os efeitos das relações jurídicas constituídas na sua vigência.

A equipe Tributária está à disposição para prestar esclarecimentos e orientações sobre o tema.

Coautoria de: Enrico Sarti e Wendell Rodolfo dos Santos

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