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Atuação dos tribunais nos pedidos de revisão contratual em função da pandemia

Atuação dos tribunais nos pedidos de revisão contratual em função da pandemia

25/6/2020

Nos últimos meses, o cenário comercial sofreu mudanças pela ocorrência da pandemia COVID-19 e pelas medidas de combate estabelecidas pelo Poder Público. A equipe de arbitragem do L.O. Baptista tem acompanhado de perto as repercussões desse novo cenário tanto nos litígios arbitrais quanto judiciais, sobretudo considerando o incremento de demandas relacionadas com revisão e extinção de contratos em virtude dos efeitos da pandemia nos mais diversos setores econômicos.

Mesmo com o crescimento da opção de resolução de conflitos pela arbitragem, o Poder Judiciário vem apresentando decisões importantes que podem influenciar árbitros, e advogados. Devido aos efeitos inéditos da pandemia em diversos setores, medidas de autoproteção por meio de ações de tutela de urgência são comuns, e muitas vezes ocorrem como fato precedente à arbitragem, podendo resultar em decisões que afetam diretamente a argumentação e pretensões das partes ao longo da disputa.

Embora ainda se esteja em um processo de construção da “jurisprudência da pandemia”, já é possível identificar um padrão nas decisões tomadas pelos magistrados.

Entre os casos analisados pela equipe de arbitragem do L.O. Baptista[1], observa-se um padrão de prudência por parte dos tribunais estatais na intervenção em negócios jurídicos firmados livremente entre as partes. Não basta alegar a imprevisibilidade dos efeitos da pandemia para que as partes consigam aliviar suas obrigações contratuais. É necessária a comprovação do nexo causal entre a pandemia e seu efeito direto ao objeto do contrato, entre outros pressupostos.

No âmbito das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, decidiu-se que pedidos de suspensão temporária do cumprimento de planos de recuperação judicial devem ser acompanhados de comprovação de que a incapacidade de cumprir obrigações da empresa provém da pandemia. Nos casos em que havia problemas anteriores no fluxo de caixa da requerente, não foi permitida a suspensão ou redução parcial dos pagamentos devidos[2].

Os pedidos revisionais de locação comercial também têm se tornado cada vez mais frequentes desde o início das medidas protetivas tomadas pelo Governo, que estabeleceu o fechamento dos serviços não-essenciais, incluindo comércio de rua e Shopping Centers. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao decidir sobre caso em que a locatária pleiteou a suspensão total dos valores de aluguel[3], priorizou a análise do caso concreto acima da possibilidade de dano hipotético. Embora as considerações do magistrado de ser a pandemia um acontecimento absolutamente imprevisível, entendeu-se que a generalização da pretensão de suspensão de aluguéis levaria ao colapso da locadora, em prejuízo de todos. Em conjunto com uma análise dos efeitos concretos da pandemia no contrato entre as partes, o juiz analisou o desconto previamente acordado entre elas no montante de 60% do valor dos pagamentos devidos, estabelecendo que esse ajuste já foi suficiente para a readequação do negócio à luz da realidade pandêmica.

Os contratos de compra e venda também estão sendo alvo de pedidos revisionais. Em decisão do TJ-SP[4], a suspensão temporária do pagamento das parcelas contratadas foi indeferida. Nesse caso, a compradora, uma locadora de quadras esportivas, defendeu que a suspensão de suas atividades devido ao isolamento social colocou-a em posição de impossibilidade financeira de cumprimento das obrigações contratuais. Em sua decisão, o juiz afirmou a impossibilidade de ingerência do Judiciário no contrato entre as partes devido à mera alegação genérica de dano hipotético, sem a apresentação de comprovação documental da ocorrência de força maior e seu efeito na relação contratual.

Nos casos envolvendo a relação entre pessoas físicas e jurídicas, esse entendimento conservador também se mantém. Em caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ)[5], no qual a pessoa física contraiu empréstimo imobiliário junto a um banco, o juiz não suspendeu os pagamentos, pois entendeu que, sem a comprovação dos efeitos da pandemia no caso concreto, a alegação de dificuldade financeira não é suficiente para alterar empréstimo contraído sem qualquer vício.

Percebe-se que a maioria dos tribunais entende que o COVID-19, por si só, não autoriza a intervenção nos contratos privados, sendo necessário comprovar de forma concreta que a pandemia dificulta gravemente ou impede objetivamente o cumprimento das obrigações contratuais.

A equipe de arbitragem está acompanhando todas as decisões dos tribunais e seus reflexos para os procedimentos arbitrais resultantes dos efeitos da pandemia. Estamos à disposição para auxiliar os seus clientes a adotar a melhor estratégia para os seus negócios, considerando as novas perspectivas de renegociação contratual, que se alteram constantemente com a nova realidade mundial.

Coautoria de: Patricia Albuquerque Pimentel e Isabela Diniz Gonçalves Gualtieri


[1] Além dos casos referidos no texto, v. também (i) Agravo de Instrumento nº 2073861-87.2020.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, 25.05.20; TJSP; (ii) Agravo de Instrumento nº 2090533-73.2020.8.26.0000, 15ª Câmara de Direito Privado, 21.05.20; TJSP; (iii) Agravo de Instrumento nº 2090679-17.2020.8.26.0000, 22ª Câmara de Direito Privado, 13.05.20; TJSP; e (iv) Agravo de Instrumento nº 2062931-10.2020.8.26.0000, 21ª Câmara de Direito Privado, 05.05.20.

[2] TJSP; Agravo de Instrumento nº 2060570-20.2020.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, 12.05.20.

[3] TJSP; Agravo de Instrumento nº 2085152-84.2020.8.26.0000, 26º Câmara de Direito Privado, 22.05.20.

[4] TJSP; Agravo de Instrumento nº 074659-48.2020.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, 19.05.20.

[5] TJRJ; Agravo de Instrumento 0025089-25.2020.8.19.0000, Ilha do Governador 3º Vara Cível, 26.05.20.

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