Publicações

A responsabilidade dos financiadores de litígios brasileiros estaria em risco?

A responsabilidade dos financiadores de litígios brasileiros estaria em risco?

30/9/2021

Uma decisão recente da Court of Appeal inglesa, proferida no caso ChapelGate manteve a determinação da High Court of Justice no sentido de não limitar a responsabilidade do financiador do litígio, com relação ao pagamento de custas à parte vencedora, ao montante por ele financiado.

O julgamento lançou luz sobre a aplicação de outro precedente local, denominado “Arkin cap”, no qual a responsabilidade do financiador do litígio foi limitada ao valor por ele provido. A questão é de interesse tanto no UK quanto ao redor do mundo, diante do crescimento do mercado de alternative dispute resolution globalmente e da crescente necessidade de obtenção de recursos externos para garantir o acesso à justiça por essa via.

O caso ChapelGate julgado pela Court of Appeal tem origem no fato de que os Administradores e diretores da Angel House Developments (“AHDL”), uma companhia de (e controlada por) Sra. Julie Davey (“Sra. Davey”), no exercício da função, venderam o principal ativo da companhia, a propriedade AngelHouse, dada a Dunbar Assets PLC (“Dunbar”) como garantia.

Após o ingresso de ações por Dunbar contra Sra. Davey, esta iniciou outros processos em nome de sua empresa contra os Administradores em vista da alienação de AngelHouse, sob os fundamentos de quebra de obrigações fiduciárias e falha no exercício de administração. Ações estas que foram financiadas pela ChapelGate, investidora, com quem firmou um acordo específico para tanto. Entretanto, os pleitos apresentados pela Sra. Davey foram indeferidos pelo juiz de primeiro grau e a ChapelGate foi incluída no polo passivo destas ações para deliberar sobre os custos, com determinação de que a Sra. Davey pagasse os custos incorridos pelos Administradores e por Dunbar ao longo do processo em caráter indenizatório.

A despeito dos pedidos formulados pelos Administradores e Dunbar no sentido de que os custos devidos pela Sra. Davey fossem pagos pela ChapelGate, determinou-se que ChapelGate pagasse os custos incorridos pelos Administradores e pela Dunbar após a celebração do acordo de financiamento firmado com a Sra. Davey, porém, sem nenhum cap.

Os fundamentos adotados para tanto foram de que: (a) o que se conhece por Arkin cap não deve ser interpretado como uma regra “rígida” a ser aplicada automaticamente em todos os casos envolvendo financiadores de litígios, mas sim um parâmetro a ser considerado pelos juízes exercendo sua discricionariedade; (b) a participação da ChapelGate no caso em questão se deu como um investimento, de modo que, apesar de não ter conduzido o caso diretamente, teve todas as oportunidades de avaliar os pleitos antes de escolher financiá-los. Ademais, ao analisar o Acordo de Financiamento avençado entre as Partes, a Court of Appeal concluiu que ChapelGate considerou os próprios interesses ao financiar o caso como uma operação comercial, não tendo encontrado qualquer correlação entre o valor que a empresa optou por investir no litígio e os custos aos quais os Administradores foram expostos.

É importante salientar ainda que, na Inglaterra, o poder do juízo de determinar o pagamento de custos por terceiros consta da lei inglesa, o Senior Courts Act 1981.

Após a análise do caso acima narrado, a questão que se impõe é: os investidores de litígios no Brasil, em especial de arbitragens, devem se preocupar com a hipótese de sua responsabilidade exceder ao montante financiado?

Inicialmente, faz-se mister estabelecer a ausência de equivalente ao Senior Courts Act inglês na lei brasileira, que é uma norma abrangente, a qual dá à seletas cortes locais plenos poderes para decidir por quem – e em qual extensão – os custos processuais devem ser pagos, o que engloba terceiros ao processo, como é o caso dos financiadores de litígios.

Uma vez que a arbitragem tem origem contratual, o colegiado instaurado para decidir determinado litígio tem sua atuação limitada à cláusula compromissória (ou compromisso arbitral), os árbitros não têm jurisdição para decidir sobre o relacionamento entre as partes e terceiros, a menos que tal discussão esteja dentro do escopo do litígio.

Na eventualidade de a lide envolver a responsabilidade de terceiros pelo pagamento de custas processuais, esse pedido deverá ser expresso e apresentado antes da estabilização da demanda, devendo ser defendido e instruído como qualquer outro, não sendo possível a decisão de ofício pelo Tribunal Arbitral.

É notório que, por tratar-se de um meio privado de resolução de conflitos, a arbitragem, no Brasil, via de regra, demanda maiores recursos se comparada à justiça estatal. Os honorários dos árbitros, as taxas administrativas devidas às câmaras arbitrais, a produção de provas que, muitas vezes, envolve pareceres legais ou técnicos, tornam a via arbitral mais custosa se comparada ao judiciário brasileiro, o que abre espaço para o financiamento de terceiros, como modo de garantir do acesso à justiça.

Nesses casos, é importante que o acordo de financiamento avençado entre o investidor e a parte interessada seja redigido com cautela, de modo a estabelecer critérios e limites de responsabilidade específicos para cada caso, a fim de evitar surpresas no caso de pleitos malsucedidos como no caso de ChapelGate versus Money and others.

Autoria de: Patricia Trompeter Secher

Outras notícias
Tags