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Anatel descuida do rito e vai convalidar sinal verde para Oi

Anatel descuida do rito e vai convalidar sinal verde para Oi

Valor Econômico
8/2/2022

Venda da Oi Móvel para Telefônica, TIM e Claro por R$ 16,5 bilhões já havia sido aprovada

Por – Rafael Bitencourt, Beatriz Olivon e Ivone Santana

Um descuido do comando da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no trâmite de análise da venda dos ativos de telefonia móvel da Oi para as concorrentes Telefônica, Claro e TIM – uma operação de R$ 16,5 bilhões já aprovada pela agência reguladora – coloca em risco o cumprimento de prazo de conclusão do processo de recuperação judicial da companhia, marcado para 31 de março. A diretoria precisará “convalidar” a decisão sobre o caso para evitar contestação na Justiça, segundo informou uma fonte graduada do órgão ao Valor.

No afã de concluir a análise da aquisição, o conselho diretor da agência reguladora não se atentou às fragilidades admitidas no rito de tomada da decisão pelo colegiado nas duas reuniões extraordinárias convocadas para tratar do tema. Em uma delas, no dia 28 de janeiro, o diretor Emmanoel Campelo apresentou seu parecer como relator. Em outra, no dia 31 do mesmo mês, o processo foi deliberado com ajustes propostos pelo diretor Vicente Aquino, que havia apresentado pedido de vista do processo na reunião anterior.

TIM, Claro e Telefônica encerram hoje negociação com o Cade sobre remédios recomendados pelo órgão antitruste

A fonte ouvida pelo Valor informou que Campelo, nas duas ocasiões, exerceu a presidência do colegiado de maneira indevida. Isso porque, na primeira reunião já havia acabado o prazo do superintendente Raphael Garcia de Souza para exercer o cargo de presidente substituto, o que exigiria a convocação da superintendente Elisa Vieira Leonel para o seu lugar. Já na segunda reunião deliberativa, havia saído o decreto do presidente Jair Bolsonaro para convocar Wilson Diniz Wellisch para a função de comando da diretoria.

Atenta aos procedimentos internos da Anatel, a Copel Telecom – controlada pelo fundo Bordeaux, do empresário Nelson Tanure, que teve uma atuação agressiva no início do processo de recuperação judicial da Oi – entrou em 3 de fevereiro com pedido de anulação da decisão do conselho diretor.

Campelo tem sido criticado por ter ignorado as recomendações contidas em parecer da Procuradoria Federal Especializada (PFE) – órgão jurídico ligado à Advocacia Geral da União (AGU) que atua dentro da agência – sobre o curso da decisão. A “convalidação” para cumprir os requisitos legais não é vista como um problema em si. Há quem defenda que bastaria submeter o processo à nova votação sem nova discussão de mérito que pudesse alterar o que foi decidido.

O desafio maior é ter que aguardar o tempo de análise do pedido de anulação da Copel Telecom. O regimento interno da Anatel exige que seja aberto um novo processo administrativo com elaboração de relatório pela área técnica, submissão do conteúdo à manifestação das partes num prazo de dez a quinze dias.

Depois, as contribuições deveriam ser consolidadas e o processo receberia uma análise jurídica da PFE. Só então, o conselho diretor receberia o caso para definir um relator e submeter a matéria ao julgamento, com risco de pedido de vista que provocaria o adiamento da decisão por mais alguns dias. Isso tudo consumiria, pelo menos, dois meses.

A Anatel, na noite de ontem, divulgou nota sobre o caso. Informou que “sempre se pautou pela legalidade e transparência de seus atos”. Sobre o pedido de anulação protocolado pela Copel, em 3 de fevereiro, a agência disse que processos de pedidos de anulação de atos administrativos seguem o rito padrão, previsto no art. 77 do Regimento Interno da Agência, aprovado pela Resolução nº 612/2013. “É importante registrar que, até que haja a decisão final sobre o citado caso, todos os atos praticados pela Anatel presumem-se legais e permanecem válidos”, diz a nota.

Para fonte envolvida no processo de venda da Oi Móvel, as questões relativas ao rito nas reuniões dos dias 28 e 31 de janeiro não afetam a decisão tomada pelos conselheiros da Anatel. O que está sendo questionado pela Copel é o rito da forma, e não do conteúdo do julgamento dos conselheiros. Essa fonte diz desconhecer qualquer caso em que quatro conselheiros tivessem aprovado um processo por unanimidade, como nesse processo, e depois todos tivessem voltado atrás da decisão tomada.

A aprovação da venda foi tomada após uma análise técnica e jurídica profunda do caso, diz a fonte. “[Isso não trará prejuízo para a Oi, até porque a empresa não cometeu nenhum erro. Então, não tem por que ser punida por um erro de terceiro”, opina. Quanto ao prazo para novo rito, os procedimentos de venda do ativo não serão atrasados porque os conselheiros mantêm a visão sobre a aprovação da operação, afirma. “Não está cancelada a decisão da venda, e sim as reuniões da forma como foram feitas”, diz a fonte. Portanto, é só a Anatel fazer nova reunião e seguir os ritos corretos ratificando a decisão tomada antes, com aprovação da venda da Oi Móvel.

Além da Anatel, o processo de venda da Oi Móvel precisa do sinal verde do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

A operação será julgada nesta quarta-feira pelo Tribunal do órgão antitruste. Claro, Telefônica e TIM seguiam, ontem, negociando com o Cade os “remédios” a serem exigidos par, segundo fonte ouvida pelo Valor.

Essa negociação deve ser encerrada nesta terça-feira, quando os conselheiros fazem a reunião prévia sobre os julgamentos da semana.

A oferta do Cade, ontem, era composta por 95% de remédios sugeridos pela Superintendência Geral (SG) do órgão antitruste em novembro e mais 5% de condições determinadas pelo Tribunal do Cade, que se reúne amanhã, quarta-feira. Os remédios a serem definidos pelo Tribunal seriam mais duros que os da SG. Segundo uma fonte ouvida pela Valor, entre as propostas do Tribunal estariam a venda de antenas e o aluguel de espectro (faixas de frequência por onde passam dados de telefonia).

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a reprovação da venda da Oi Móvel para as três maiores operadoras do país – Telefônica, Claro e TIM – e este parecer foi anexado ao processo em análise no Cade.

Com a oferta de R$ 16,5 bilhões, o trio de operadoras comprou 100% das ações da Oi Móvel, em dezembro de 2020. Em seu relatório, o procurador do MPF destacou que as companhias, dividiram o mercado entre elas, da seguinte forma: TIM (44%), Telefônica (33%) e Claro (22%).

O parecer do MPF não é considerado muito importante por advogados da área de concorrência ouvidos pelo Valor.

Os memoriais do Ministério Público Federal (MPF) não irão, necessariamente, afetar a decisão dos conselheiros sobre o caso, segundo especialistas em direito da concorrência.

O relator do caso no Tribunal, conselheiro Luis Henrique Braido abriu prazo de 24 horas para as empresas envolvidas na operação e as terceiras interessadas se manifestarem, se quiserem, sobre os memoriais do MPF.

Nos memoriais do MPF, anexados no processo da Oi no sábado, o procurador Waldir Alves, representante do MPF junto ao Cade, afirma que a operação deve ser reprovada. Ele também recomenda que seja concluído processo administrativo sobre a prática da infração de “gun jumping” pelas empresas TIM, Telefônica e Claro nessa operação, sob pena de aplicação de multa e da nulidade da operação. “Gun jumping” é a consumação de operação de fusão ou aquisição antes da apreciação e aprovação pelo Cade.

O parecer se refere a uma representação apresentada à SG em novembro de 2020, pela Algar, apontando ilegalidade na formação do consórcio entre Telefônica, TIM e Claro, com a consumação prévia de ato de concentração e danos à concorrência causados pelas condições de participação no leilão dos ativos da Oi. A SG instaurou um procedimento administrativo para Apuração de Ato de Concentração (APAC) mas ele ainda não foi concluído.

O MPF também orientou que seja determinada a instauração de processo administrativo para Claro, Telefônica e Tim. O objetivo é apurar se houve conduta concertada entre as três teles concorrentes e se praticaram atos para excluir outras empresas.

Segundo Patricia Agra, sócia o escritório LO Baptista Advogados e ex-integrante da extinta Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Cade, atual SG, o parecer do MPF não tem efeito sobre os conselheiros nos casos de atos de concentração. “O parecer não é vinculativo”, afirma.

Para a advogada, contudo, é natural que o MPF se manifeste no caso por envolver questões de ordem pública, ser um setor regulado e com impacto próximo ao consumidor. A advogada lembra que o MPF não participa das negociações sobre os remédios, que estão em curso.

Sobre a abertura de uma investigação pela conduta das três compradoras, se o Cade tivesse visto algum indício já deveria ter aberto o processo administrativo, segundo a advogada. Para Agra, o caso é difícil de ser analisado pela sua complexidade e por envolver uma empresa que já tentou ser vendida.

Segundo o advogado e professor Vicente Bagnoli, geralmente o parecer do MPF repete o que a SG diz, o que não acontece nesse caso. “Em regra, os conselheiros que decidem não seguem muito o parecer”, afirma.

Outros dois advogados, que preferiram não se identificar, afirmaram que os memoriais do MPF são opinativos, sem efeito vinculante entre os conselheiros, apesar de poderem abrir espaço para discussão judicial.

A judicialização de decisões do Cade é rara, segundo os advogados. Bagnoli afirma que decisão recente do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux indica que o judiciário não poderia revisar decisões do Cade. Há, contudo, advogados que consideram a atuação do judiciário limitada nesses casos, mas não vetada.

A TIM Brasil disse ontem, em nota, que “uma saída desordenada da Oi Móvel do mercado terá consequências caóticas para todo o sistema de telecomunicações, com impactos negativos para a competição, o consumidor e o avanço digital do país”. A Telefônica já havia se pronunciado, na mesma linha da TIM, defendendo a compra da Oi Móvel.

Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/02/08/anatel-descuida-do-rito-e-vai-convalidar-sinal-verde-para-oi.ghtml

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