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Cenário de juro mais alto faz cair ações de locadoras

Cenário de juro mais alto faz cair ações de locadoras

Valor Econômico
28/1/2021

Por – Raquel Brandão e Daniela Braun

Especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que a recente queda das ações reflete mais a preocupação do impacto de um possível aumento na taxa de juros nos contratos das empresas do que o futuro da fusão

A fusão entre as locadoras Localiza e Unidas, anunciada há quatro meses, voltou ao radar dos investidores na última semana. Desde que o negócio foi anunciado, em setembro, as ações da Localiza acumulam alta de 30,6% e as da Unidas, 28%. Mas os primeiros dias de 2021 têm sido de perda para os papéis. Em janeiro, a Localiza acumula recuo de 5,09%, enquanto a Unidas (Locamérica ON) cai 10,34%.

Especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que a recente queda das ações reflete mais a preocupação do impacto de um possível aumento na taxa de juros nos contratos das empresas do que o futuro da fusão. Esta, segundo analistas, deve ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas com restrições.

Os juros básicos têm peso importante para as locadoras, pois contratos e parte majoritária das dívidas – cerca de 90% delas – são atrelados à Selic. O Banco Central tem mantido os juros básicos a 2% ao ano, mas abandonou o “forward guidance”, que é a intenção de não aumentar a Selic no curto prazo. Embora a autoridade reforce que isso não implica mecanicamente na elevação da taxa de juros, analistas acreditam que o mercado pode ter adotado um comportamento mais precavido em relação aos papéis do setor de locação de veículos. Outra grande companhia do setor com capital aberto, a Movida, acumula queda de 9,41% neste ano.

A visão entre analistas que acompanham as locadoras é de que a fusão deve sair. Uma fonte familiarizada com o setor diz que a transação vem sendo tratada com extrema discrição na alta gestão das companhias, mas o entendimento é de que, se houvesse risco de negativa do Cade, o negócio nem teria sido proposto.

A análise no Cade ainda está na fase inicial. O Valor apurou que a Unidas já enviou a documentação no início do mês. O envio dos documentos da Localiza não foi confirmado. “A Localiza esclarece que o protocolo do ato de concentração será publicado oportunamente no Diário Oficial da União pelo Cade”, disse a empresa à reportagem. O período em que o órgão avalia se os dados são suficientes para abrir o processo, de fato, pode levar entre 90 e 120 dias.

Após quase quatro anos na Localiza, o executivo deixou a empresa para assumir o cargo de diretor vice-presidente Financeiro e de Relações com Investidores na operadora de planos de saúde Hapvida. Ele foi substituído por Rodrigo Tavares Gonçalves de Sousa, que era diretor executivo de Compra de Carros e Desenvolvimento de Negócios da companhia.

Além da participação de mercado das duas empresas juntas, no caso de Localiza e Unidas, o Cade avaliará fatores como rivalidade, oferta de serviços e a capacidade de entrada de futuros concorrentes no mercado.

“Na avaliação de rivalidade, o Cade observa se o consumidor tem para onde ir caso esteja insatisfeito com preços ou serviços da empresa resultante da fusão”, explica a advogada Patrícia Agra, sócia da área de direito da concorrência do L.O Baptista Advogados.

O risco de redução de serviços ou de interferência na qualidade dos mesmos, que pode ocorrer em mercados sem competitividade, também é um ponto importante na apreciação do conselho.

Outro fator avaliado é se há facilidade para a entrada de novos concorrentes no mercado após a fusão. “Não é um mercado tão difícil de entrar, mas tem gargalos, como espaços limitados em aeroportos, por exemplo”, diz Patrícia.

O Valor apurou que a maioria dos investidores está otimista quanto à aprovação do negócio, mas que há preocupação com o tipo e o tamanho das restrições que podem ser impostas para o andamento da fusão.

Entre os possíveis remédios estariam vender pontos de lojas ou de partes da frota de veículos em regiões onde há maior sobreposição de operações. A maioria dos especialistas ouvidos pela reportagem acredita que as dosagens mais amargas devem se concentrar na operação de locação no varejo, chamada no jargão do setor de “o rent a car” (RAC). “Se olhar o total da frota, as duas juntas não têm mais do que 40% do mercado, mas no RAC a concentração é maior”, diz Paulo Miguel Jr., presidente da associação brasileira das locadoras (Abla). Dados de mercado apontam que elas somam 65% desse segmento no país. Miguel Jr. explica que a Abla ainda não foi consultada pelo Cade, mas diz que a associação não tem um posicionamento e segue acompanhando o negócio e o mercado a fim de avaliar os possíveis efeitos para o setor.

A sócia do L.O. Baptista Advogados lembra que as empresas devem chegar ao Cade com respostas para os remédios como, por exemplo, indicar potenciais compradores para a frota ou para pontos comerciais. “Afinal, se são elas que estão pedindo a aprovação da fusão, precisam trazer as soluções”, afirma.

Independentemente do resultado no Cade, analistas de investimentos mantêm uma visão otimista para o setor de locação, em especial para a Localiza. Na última sexta-feira, a equipe do Goldman Sachs elevou as estimativas para o resultado da companhia, em uma análise que não inclui a conclusão do negócio com a Unidas.

O banco estima que as operações de RAC devem crescer até 25% em 2021 enquanto o lucro líquido pode chegar a R$ 1,6 bilhão. “Reiteramos nossa visão otimista sobre a Localiza, visto que vemos a empresa bem posicionada para se beneficiar da recuperação em curso e uma provável retomada do forte crescimento que tem proporcionado nos últimos anos”, escrevem os profissionais recomendando compra da ação, com preço-alvo de R$ 73,20.

A Localiza passou por uma mudança recente na diretoria financeira, com a saída do diretor de Finanças e Relações com Investidores, Maurício Teixeira, comunicada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no dia 28 de dezembro. A companhia também convocou uma assembleia de acionistas recentemente, mas não ainda informou qual será a agenda dessa reunião.

Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/01/28/cenario-de-juro-mais-alto-faz-cair-acoes-de-locadoras.ghtml

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