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Decisão do DREI defere registro de transferência de quotas com base em cláusula de transferência automática em caso de falecimento de sócio de sociedade limitada

Decisão do DREI defere registro de transferência de quotas com base em cláusula de transferência automática em caso de falecimento de sócio de sociedade limitada

30/5/2022

Em 21 de março de 2022, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) publicou uma decisão[1] que ratificou o deferimento do arquivamento, perante a Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (JUCERJA), de uma alteração de contrato social de sociedade limitada, que tinha como objeto aprovar a transferência automática das quotas pertencentes a um sócio falecido à sócia remanescente da Sociedade, conforme  as regras previstas no contrato social, sem apresentação de alvará judicial ou escritura pública de partilha. Em regra, o Manual de Registro de Sociedade Limitada do DREI exige para o registro de um ato societário que aprove a transferência de quotas de um sócio falecido a apresentação de cópia de alvará judicial autorizando a transferência ou escritura pública de partilha, ou ainda, em caso de inventário judicial que já tenha sido encerrado, cópia da partilha homologada e certidão de trânsito em julgado.

No caso analisado, inicialmente o pedido de arquivamento da alteração contratual foi indeferido pela JUCERJA, de modo que a sócia remanescente da Sociedade apresentou recurso ao Plenário da JUCERJA sob o argumento de que deveriam ser observadas as regras específicas de transferência automática das quotas que os sócios determinaram no contrato social da Sociedade para regular o evento de morte de um dos sócios. A sócia remanescente argumentou que, conforme previsão do art. 1.028, inciso I, do Código Civil[2], é lícito aos sócios de sociedade limitada disporem no contrato social sobre os efeitos do falecimento sobre suas quotas. Deste modo, a regra contratual deve prevalecer sem necessidade de interferência judicial, tampouco anuência do inventariante e herdeiros para ser eficaz. O que se discute no caso não é o direito dos herdeiros ao recebimento do valor equivalente às quotas, mas o respeito às regras previamente estabelecidas e acordadas entre os sócios. O Plenário da JUCERJA deu então provimento ao recurso da sócia remanescente, deferimento o arquivamento da alteração contratual.

Após o deferimento do arquivamento, foi interposto recurso pela Procuradoria da JUCERJA, a qual argumentou que a transferência das quotas não pode acontecer de modo automático após falecimento de sócio, devendo ser observadas as regras do Manual de Registro de Sociedade Limitada do DREI. Na decisão do recurso, o DREI concluiu que é lícito aos sócios de sociedade limitada estabelecerem as regras de transferência automática de quotas em caso de falecimento de sócio seu Contrato Social.

Um dos fundamentos da decisão do DREI é justamente a observância aos objetivos trazidos pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19), a qual busca preservar a autonomia privada e a liberdade contratual, de modo que deve prevalecer a vontade das partes e o princípio da intervenção mínima, exceto se houver vedação legal expressa em sentido contrário.

Considerando que se trata de uma decisão de um caso específico e não houve alteração do Manual de Registro de Sociedade Limitada do DREI não é possível garantir que este posicionamento será seguido pelas Juntas Comerciais para o arquivamento de atos societários em casos similares. E, apesar da competência das Juntas Comerciais estar restrita ao exame de aspectos formais dos atos e documentos apresentados, do ponto de vista societário e contratual, trata-se de um precedente que reforça a importância dos objetivos trazidos pela Lei da Liberdade Econômica para as relações contratuais e a relevância de se estabelecer no contrato social regras e procedimentos de governança bem estruturados e que reflitam de modo claro os objetivos pretendidos pelos sócios, seja para um evento de sucessão, seja para outras questões societárias relevantes.

Coautoria de: Felipe Castro e Giovanna Cavassa Hayashi


[1] Recurso ao DREI nº 14022.116144/2022-57

[2] Lei nº 10.406/2002

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