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Estratégias legais para lidar com a cultura do cancelamento digital

Estratégias legais para lidar com a cultura do cancelamento digital

Em meio às discussões acaloradas nos tribunais e às crescentes preocupações sobre danos reputacionais e o chamado “Efeito Streisand” uma questão emergente assume o centro das atenções nas redes sociais e no mundo digital: a cultura do cancelamento. Demonstra-se então latente a necessidade de influencers manterem atualizadas as estratégias legais para lidar com esse fenômeno que tem transformado as interações online e desafiado as noções tradicionais de responsabilidade e liberdade de expressão.

Aprofundar o conhecimento neste tema requer olhar crítico multidisciplinar que envolve: a percepção do papel e das responsabilidades de cada personagem e consequências culturais e sociais, educação digital, promoção à autorreflexão e ética constante, constante atualização da regulação do setor, desafios da jurisdição internacional (dada a natureza global da internet e redes sociais), promoção de métodos alternativos para resolução das disputas surgidas do ambiente online, atuação responsável dos meios de comunicação e jornalistas, e, constante acompanhamento da evolução da jurisprudência nos tribunais a medida que enfrentam novos desafios.

É notório que a expansão do acesso à Internet e a criação das redes sociais alteraram não só as relações interpessoais, mas também a maneira como nos expressamos e influenciamos uns aos outros. A Internet se transformou em uma espécie de “tábua rasa” na qual os usuários podem expressar suas opiniões e ideologias sob a proteção de um perfil online, muitas vezes sob o manto da proteção do anonimato. Além de funcionar como um vasto veículo de comunicação, as redes sociais atuam como uma rede de influência, através da qual alguns de seus usuários impactam os comportamentos e as opiniões de outros, com o propósito  de divulgar produtos e serviços.

Nessa dinâmica, observa-se o surgimento de pelo menos duas “castas”: os influenciadores digitais, pessoas comuns, profissionais especializados, políticos, artistas, que de alguma forma lucram utilizando as redes sociais como ferramenta de negócio ou trabalho, e os seguidores, quem consomem os conteúdos e os produtos digitais. Enquanto  os influenciadores desfrutam do benefício da sua influência sobre suas audiências, de outro os seguidores assumem o papel de  juízes em relação ao conteúdo que consomem.

É neste contexto que emergiu o fenômeno do “cancelamento digital”, cujo objetivo é repreender ou boicotar os influenciadores por determinada atitude e/ou opinião julgada como incorreta pelos seguidores. Ou seja, da mesma forma que os influenciadores ditam os comportamentos dos seus seguidores, estes estarão atentos a todos os  movimentos de seus “ídolos virtuais” para aplicar a “pena” do cancelamento quando julgarem necessário. A “pena imposta por este Tribunal” é feroz e pode causar danos patrimoniais como perdas de contratos, engajamento de seguidores, impacto no relacionamento com patrocinadores e parcerias, danos à reputação, afetando sua credibilidade e confiança junto aos seus seguidores, ameaças à saúde mental causando depressão, ansiedade e outro problemas emocionais, além é claro do efeito dominó nas redes sociais, isolamento social e perdas substanciais de oportunidades de carreira.

Ocorre que, assim como o Direito tende acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos e sociais, há limites ao cancelamento digital e meios de responsabilizar quem se excede nesta prática. A Constituição Federal estabelece como garantia fundamental aos brasileiros a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação destes direitos autônomos (art. 5º, X da CF). Sem distanciar das garantias fundamentais de cada indivíduo quanto à liberdade de expressão e a vedação à censura prévia, atitudes de cancelamento podem aparecer como uma cortina para questões mais graves como manifestações de intolerância no ambiente da Internet, inclusive crimes, como falas homofóbicas, xenofóbicas, racistas, neonazistas e de intolerância religiosa.

O cancelamento também se evidencia em situação de cyberbullying entre crianças e adolescentes quando da prática de atos de humilhação, ameaças ou ainda intimidação, tendo como objetivo provocar vexame em determinadas pessoais.

A punição, pedidos de reparação e medidas contra os casos de cancelamento digital, estão desafiados pela dificuldade de  identificação dos  responsáveis pelas ações que causam  danos. Isso porque muitas das vezes os autores das ofensas ou atos de intolerância se escondem atrás de perfis falsos, ou há um altíssimo volume de usuários diferentes disparando comentários ofensivos tornando difícil a identificação individual.

Outro fator complexo é a responsabilização das plataformas (redes sociais) pelos conteúdos publicados por terceiros. Atualmente, mesmo que seja discutível, as plataformas somente podem ser responsabilizadas pelos conteúdos dos seus usuários caso descumpram a ordem judicial que determine a remoção ou outra medida em relação à publicação (art. 19 do Marco Civil da Internet). Sendo assim, até o momento, ainda é necessário judicializar as questões envolvendo violação de direitos na Internet.

De acordo com as leis processuais vigentes, é possível solicitar judicialmente tutelas inibitórias para impedir a prática, a repetição ou a continuação do cancelamento digital, bem como a a tutela de remoção do ilícito. Além disso, há as tutelas reparatórias e/ou ressarcitórias (ex.: danos morais, materiais e estéticos). Qualquer que seja o pedido da parte lesada, os tribunais decidirão de acordo com o caso concreto, ponderando o exercício de outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a vedação à censura prévia. Por essa razão, também é um desafio prever os resultados desse tipo de ação.

Adotar uma abordagem proativa mediante observância de boas práticas pode ajudar o influenciador a se proteger da cultura do cancelamento. Aqui estão algumas medidas que os influenciadores podem considerar:

  1. Mantenha um pensamento crítico antes de postar, considerando que os conteúdos têm impacto e influência.
  2. Apresentar-se como um modelo positivo para os seguidores, estando sempre disposto a ouvir diferentes perspectivas e responder com respeito.
  3. Comunicar claramente os valores e princípios nas redes sociais, atraindo seguidores que compartilhem das visões e reduzindo a probabilidade de confrontos ideológicos.
  4. Contribuir para um ambiente empático, fomentando um diálogo construtivo e apoiando causas sociais que promovam a educação digital.
  5. Manter um plano de gestão de crises, antecipando possíveis situações, incluindo ações a serem tomadas em resposta a cancelamentos ou crises de reputação.
  6. Monitore suas mídias sociais, mantendo-se atentos às conversas que ocorrem sobre você.
  7. Escolha com cautela seus parceiros e patrocinadores garantindo que estejam aliados com seus valores e imagem pessoal.
  8. Proteja sua privacidade limitando a divulgação de informações pessoais em excesso.
  9. Evite depender de apenas uma plataforma de rede sociais, reduzindo os riscos de cancelamento em um único veículo.
  10. Avalie a contratação de um seguro de reputação, que possa suportar gastos financeiros associados a crises causadas pelo cancelamento

Se nada disso adiantar, algumas estratégias legais incluem:

  • Buscar medidas legais contra indivíduos que disseminaram informações falsas ou difamatórias.
  • Processar os responsáveis por publicações ofensivas que prejudiquem a reputação e a imagem do influenciador.
  • Buscar ordens judiciais, através de tutelas inibitórias, para impedir a continuação do cancelamento e a disseminação de conteúdo prejudicial.
  • Adotar medidas legais para identificar e responsabilizar os autores de ataques online anônimos.
  • Buscar medidas legais para proteger a liberdade de expressão, se o cancelamento envolver restrições à liberdade de expressão.
  • Explorar opções de resolução alternativa de disputas e negociação com partes envolvidas.

L.O. Baptista reuniu seus profissionais das mais variadas áreas do Direito para assessorar juridicamente os influenciadores digitais para evitar danos decorrentes de eventuais cancelamentos digitais. Nossa equipe da área de Inovação e Tecnologia, está preparada para remediar os riscos reputacionais e materiais dos envolvidos.

Coautoria de: Denise de Araujo Berzin ReupkeEsther Jerussalmy Cunha e Fabricio Bertini Pasquot

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