Lexis 360
07.08.2017
Por Paula Dume
Para advogados especialistas no assunto, a regulamentação vai na contramão do que os contratos de participação estabelecem
Na prática, a instrução normativa da Receita Federal vai criar certas restrições e prejudicar a adesão aos contratos de participação.
Publicada no Diário Oficial da União em 21 de julho, a IN RFB 1719/2017, que trata de questões envolvendo aportes de capital de microempresas ou empresas de pequeno porte realizados por investidores-anjo, criou um entrave de ordem tributária. Com essa norma, a Receita Federal passa a considerar todo e qualquer rendimento oriundo do contrato de participação dessas empresas como rendimentos similares aos de aplicações financeiras, o que eleva a carga tributária.
Renata Castro Veloso, sócia da área de M&A do L.O. Baptista, explica que essa instrução veio em atendimento à Lei Complementar 155/2016, que também alterou a Lei Complementar 123/2006, para dar um tratamento tributário ao que a legislação criou sobre contratos de participação e regulamentar o investimento-anjo nas startups. No entanto, a IN 1719 vai na contramão do que buscam os contratos de participação que surgiram para facilitar as questões burocráticas e societárias e, segundo os quais, o investidor-anjo não assume as contingências da startup.
A advogada alerta que as estruturas societárias são desenhadas para atender prioritariamente a expectativa do cliente de ter um modelo tributário mais econômico e não gerar contingências. “Se não tivermos uma adequação da Receita sobre essa regulamentação [IN 1719], acabaremos inutilizando a figura do contrato de participação, porque atrelado a ele existe uma carga tributária muito grande que não compensa”, explica Renata.
Segundo Erik Fontenele Nybo, advogado especialista em startups e sócio da SBAC Advogados, do ponto de vista do investidor, além da tributação não ser favorável também desestimularia o uso desse mecanismo para investimentos. Por conta disso, ele acredita que diversas pessoas estão vendo a Lei como um esforço inócuo, apesar da inovação trazida e da boa intenção e empenho dos agentes de mercado envolvidos na sua proposição.
A empresa enquadrada na IN 1719 poderá ter uma tributação sobre sua renda que pode chegar a 34%. Adicionada de PIS e COFINS, a tributação efetiva, que antes era nula, bateria na casa dos 40%. A opção por um investimento tradicional via aporte de capital ou uma participação societária efetiva não seria possível, porque a empresa teria que pagar dividendos.
Para João Victor Guedes, sócio da área Tributária do L.O. Baptista Advogados, embora a LC 155/2016 tenha dado ao Ministério da Fazenda o poder de regulamentar, a instrução ultrapassa um pouco o próprio intuito da Lei de criar uma alternativa societária para esse tipo de investimento. “A IN 1719 traz um entrave tributário que, na prática, vai criar certas restrições e prejudicar um pouco a adesão a esse contrato de participação”, pontua.
A tributação dos rendimentos decorrentes dos aportes de capital é regressiva em função do prazo de manutenção do investimento, que pode variar de 22,5% para os contratos de participação de até 180 dias e regredir até 15% para os mantidos por prazo superior a dois anos. Mas existem os rendimentos decorrentes de uma efetiva participação societária sendo tributados sem isenção e distribuídos via dividendos.
“Observamos um grande impacto tributário criado pela Receita, especialmente nas situações em que essas empresas vão receber o investimento, seja ele tributado pelo Simples Nacional ou pelo Lucro Presumido. A despesa em si para as empresas é absolutamente irrelevante, mas a tributação nessa remessa de saída será relevante para o investidor-anjo”, alerta João Victor.
O sócio conta que a única situação em que a regulamentação da Receita poderia ser favorável a esse contrato de participação seria tendo o investidor-anjo como pessoa física — incomum nestes casos — e uma pessoa jurídica ou lucrativa tributada pelo Lucro Real como receptora dos investimentos.
Alternativas
João Victor Guedes destaca a possibilidade de as empresas ingressarem com uma medida judicial argumentando que a IN 1719 ultrapassa o mero poder de regulamentar e cria tributação. Porém, ressalta que a última coisa que uma startup quer é abrir uma ação judicial antes de iniciar suas atividades.
“Uma ação judicial individual para cada empresa é inviável nesse tipo de situação”, comenta. Se uma associação de classe pleiteasse a medida teria mais peso e representaria todas as empresas do setor, segundo o sócio do L.O. Baptista.
Do ponto de vista prático, o advogado sugere a equiparação dos rendimentos e das distribuições decorrentes do contrato de participação a dividendos, feita de forma expressa em Lei. No entanto, “alterar a IN 1719 é muito difícil, até porque ela foi aberta à consulta pública e é difícil que a Receita volte atrás”, ele reconhece.
Renata Castro Veloso, do L.O. Baptista, destaca que é importante que o investidor-anjo analise o custo tributário antes de ingressar em um contrato de participação. “O investidor firma um contrato, faz um investimento e separa sua figura da da empresa, porque não assume qualquer passivo da startup, já que ela é constituída com poucos recursos, e as contingências trabalhistas e fiscais são importantes”, conta a sócia.