Publicações

Nova presidência do Cade traz expectativas de amadurecimento

Nova presidência do Cade traz expectativas de amadurecimento

Lixis 360
02.08.2017

Apesar de preocupações sobre o aumento da influência política, especialistas enxergam oportunidades positivas para a autarquia

Colegiado da autarquia tem duas vagas cujo preenchimento depende do Palácio do Planalto

Depois de a indicação de Alexandre Barreto de Souza para a presidência do Conselho Administrativo de Defesa Eco

nômica (Cade) ter gerado desconfianças, as atividades da autoridade antitruste têm sido acompanhadas com lupa por profissionais do Direito Concorrencial. Em meio à fase de familiarização com o novo líder e à expectativa de indicações para dois cargos vagos no colegiado da autarquia, especialistas consultados pela redação do Lexis 360 observam que o momento de evidência pode representar uma oportunidade de amadurecimento para o órgão.

Administrador por formação, o indicado pelo presidente Michel Temer fez carreira no Tribunal de Contas da União (TCU) e tanto suas credenciais para ocupar o cargo quanto sua ligação com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) alimentaram questionamentos na classe jurídica. “O mercado teme que o Cade passe a ser uma mera ferramenta que obedece à Presidência da República”, explica Paula Forgioni, especialista em antitruste e professora de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP).

No comando do CADE desde 23 de junho, Barreto tem experimentado um início de mandato intenso. O novo presidente viu a autarquia anunciar novos acordos e investigações no âmbito da operação Lava-Jato e participou de seu primeiro julgamento de um ato de concentração em menos de uma semana no cargo — que culminou no veto à aquisição da Estácio Participações S/A pela Kroton Educacional S/A.

Para Renato Dolabella, advogado e professor de Direito Econômico e da Concorrência do IBMEC, a chegada de alguém cujo perfil destoa de seus antecessores em um momento de instabilidade política coloca o Cade sob holofotes. “Barreto acabou atraindo uma situação para ele de ter de provar muita coisa na prática agora”, pondera. “Os olhos estarão em cima do órgão e esse tipo de situação, no meu entender, ajuda a maturar o próprio sistema de defesa da concorrência”.

Assim como Paula Forgioni, Renato Dolabella considera que a possibilidade de ampliação da influência política no órgão é um fator que deve ser observado com atenção e recorda que a Lei 12.529/2011 determina que a presidência e o conselho do Cade sejam ocupados por pessoas de “notório saber jurídico e econômico”. “É a primeira vez que uma pessoa que não tem um perfil nesse sentido é nomeado”, enfatiza.

Sistema equilibrado

A despeito das preocupações, a avaliação de que os riscos à legitimidade da autarquia são pequenos é predominante. Celso Campilongo, advogado e professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP, argumenta que a forma como o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) é formado evita a dependência de uma pessoa ou de um cargo específico. “Esse conjunto de ‘freios e contrapesos’ institucionais me permite afirmar, com segurança, que a trajetória de ascensão do Cade não dá mostras de mudar de rumo”, avalia.

Patrícia Agra, sócia da área de defesa da concorrência e compliance do L.O. Baptista Advogados e ex-assessora jurídica da presidência do Cade, concorda com a visão de que, apesar do desconforto gerado com uma indicação política,  a constituição do colegiado limita a realização de “malabarismos”. “Há um membro do MPF na mesa observando tudo o que é feito, as sessões são abertas e ficam registradas”, enfatiza.

Posições em aberto

Depois de fazer as indicações de Barreto e de Mauricio Oscar Bandeira Maia — funcionário Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) que foi empossado conselheiro do Cade em 12 de julho —, o Palácio do Planalto, no entanto, ainda tem nas mãos a missão de apontar nomes para a Superintendência-Geral do órgão e para a Procuradoria Federal Especializada que atua na autarquia. Os novos nomes precisam ser sabatinados e aprovados pelo Senado. Desde o fim do mandato do superintendente Eduardo Frade, em 15 de julho, e da renúncia do procurador Victor Rufino, em 6 de abril, os cargos têm sido ocupados interinamente pelos adjuntos Diogo Thomson de Andrade e Fernando Barbosa Bastos Costa, respectivamente.

Enquanto essas vagas não são preenchidas, Guilherme Dantas, sócio do Siqueira Castro Advogado, considera importante observar como será estabelecida a relação entre a presidência e o superintendente-geral. “Nesses quase dois anos que a presidência foi ocupada interinamente, a superintendência ganhou um certo protagonismo. Frade impunha respeito”, nota.

Mudanças administrativas

Patrícia Agra observa que o trânsito político de Barreto pode ajudar o novo presidente a realizar mudanças administrativas. Com oito anos de experiência dentro da autarquia, ela considera importante fortalecer medidas de transparência e buscar meios para superar impasses orçamentários para garantir a independência do órgão.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Barreto sugeriu que uma possibilidade de conferir ao Cade maior autonomia orçamentária é pleitear um orçamento equivalente ao arrecadado em taxas e multas pela autarquia. A alternativa, no entanto, é vista com ressalvas. “Isso pode esbarrar em questões legais e o Cade pode ser acusado de multar ou fazer acordos para arrecadar para si. Isso não é bom”, comenta a advogada.

O veto à operação entre Estácio e Kroton chegou a ser visto como uma sinalização importante ao mercado de que a autoridade antitruste manterá o rigor em suas avaliações, mas os especialistas na área concorrencial têm opiniões divergentes sobre a possibilidade de um período de maior rigidez na autarquia. “O Cade já vem passando por um processo de decisões mais firmes, que têm a ver com o amadurecimento do órgão”, argumenta Guilherme Dantas.

Leniência

Desde que tomou posse, Barreto tem indicado à imprensa que o combate aos carteis está na sua lista de prioridades. O guardião da concorrência tem negociado acordos de leniência e, até então, 10 estão relacionados com irregularidades envolvendo contratos de obras públicas descobertos pela operação Lava Jato.

Embora ainda seja cedo para medir o impacto desses acordos, Celso Campilongo observa que nunca o Cade ou outras instituições que possuem instrumentos de delação semelhantes tiveram tanta presença na grande mídia. Ele ressalta que o volume de acordos de leniência e de Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) tem crescido desde 2012 e que a eficácia dessas ações já levantou questões jurídicas novas a respeito de efeitos penais, quantificação das multas e da relação da autarquia com outros órgãos federais.

Outras notícias
Tags