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Os dois lados da alienação fiduciária de imóveis rurais em favor de estrangeiros

Os dois lados da alienação fiduciária de imóveis rurais em favor de estrangeiros

24/4/2020

Portal do Agronegócio

 

A Lei 13.986, promulgada em 07 de abril de 2020, é resultado da conversão da Medida Provisória 897/2019, intitulada de MP do Agro, e trata de diversos temas que visam impulsionar o agronegócio no Brasil e, principalmente, o financiamento deste segmento

 

Uma dessas medidas é a possibilidade de instituição de alienação fiduciária, em favor de estrangeiros, sobre imóveis rurais, inclusive daqueles localizados na faixa de fronteira, o que não era permitido até então.

A alienação fiduciária de imóveis passou a ser permitida com a regulamentação da Lei nº 9.514, de 1997. Este mecanismo reformulou o instituto da garantia dada sobre imóveis, a medida em que a alienação fiduciária possui um procedimento executório específico e mais célere que a hipoteca, até então utilizada em larga escala, o que garante ao credor um menor risco, possibilitando condições mais favoráveis de financiamento, como prazo maiores e a concessão de menores taxas de juros.

Imperioso notar que o instituto da alienação fiduciária possibilita que o próprio credor passe a deter a propriedade imóvel, após a excussão da garantia e obedecidos os preceitos legais, sem a necessidade de uma venda judicial ou um processo executório específico.

Assim, a alienação fiduciária de imóveis rurais em favor de estrangeiros mencionada acima pode ser vista sob duas óticas totalmente distintas, existentes há tempos e decorrentes das mesmas discussões que envolvem a possibilidade de abertura do mercado para a efetiva compra das terras rurais pelos estrangeiros.

A primeira delas está em linha com as tentativas do atual Governo para a abertura do mercado, para garantia da atração de investimentos para o setor e desenvolvimento de novas linhas de crédito.

A flexibilização desta matéria, com a permissão para a alienação de terras rurais a estrangeiros, é tema recorrente de discussão entre juristas, poder público e iniciativa privada, que visam dar ao setor amplo poderio econômico e atrair investimentos, os quais foram mitigados ao longo do tempo, pelas incertezas decorrentes de entendimentos diversos aplicados sobre a legislação brasileira, e principalmente desde 2010, quando da edição do parecer LA 01/2010 da Advocacia Geral da União atualmente em vigência, que corrobora com duras as restrições trazidas pela Lei 5.709/1971.

Desde o início da gestão da nova equipe comandada pelo Presidente Jair Bolsonaro, há movimentos para discussão quanto à eliminação de certas restrições à alienação de terras rurais brasileiras a estrangeiros, sob a alegação de que o setor do agronegócio, um dos pilares da economia brasileira, como mencionado acima, necessita de investimentos em massa para crescimento, geração de empregados e melhoria de potencial, quantitativo e qualitativo.

Para tal corrente, a abertura concedida com a Lei 13.986, ainda que não autorize expressamente a efetiva compra de terra rurais pelos estrangeiros, é extremamente positiva e poderá fomentar tais investimentos com a utilização da alienação fiduciária, pois (i) concede maior segurança aos estrangeiros, com o uso de um instrumento de menor risco e (ii) pode gerar direito à propriedade se excutidas as garantias previstas.

Além da atual legislação, há também o Projeto de Lei n° 2963, de 2019, de autoria do senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO), que visa regulamentar a aquisição, posse e o cadastro de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, se cumpridas certas exigências. Tal Projeto de Lei está em linha com a Lei 13.986 recém promulgada, em um esforço conjunto de várias frentes para abertura do mercado.

A segunda das correntes, mais conservadora, entende que a abertura do mercado rural aos estrangeiros poderá causar problemas à soberania nacional e, ainda, criar dificuldades estruturais, inclusive para a manutenção dos pequenos produtores rurais, que não teriam força competitiva contra os produtores estrangeiros.

Esta corrente tem base na mencionada Lei 5.709/1971 e no parecer LA 01/2010 da Advocacia Geral da União, restringindo a atuação estrangeira à pequenas glebas de terra, destinadas a projetos específicos.

Adeptos a esta corrente certamente traçarão duras críticas à Lei 13.986, podendo até mesmo pleitear sua ilegalidade, já que, como dito acima, a excussão da garantia da alienação fiduciária pode ser vista como uma brecha legal que permitirá que os estrangeiros passem a deter a propriedade de terras rurais, o que hoje não é permitido pela legislação.

Em que pese as duas correntes existentes – com bons argumentos para ambos os lados – é preciso analisar também o atual momento da economia brasileira, fragilizado pelo coronavírus e pela COVID 19.

Por óbvio que investimentos no setor, que já eram essenciais em razão do potencial brasileiro não aproveitado do agronegócio, passarão a ser primordiais, inclusive para desenvolvimento econômico e criação ou manutenção de empregos, principalmente se os efeitos do coronavírus perdurarem por um grande período.

Ainda que imperiosa uma certa flexibilização à entrada de estrangeiros no setor – que deveria ser gradual e pautada em regras claras – incentivos diferenciados aos pequenos produtores serão também essenciais para a manutenção do setor. Além do mais, regras que garantem um mínimo de soberania nacional, para evitar a massiva venda de propriedades estratégicas a estrangeiros, devem ser consideradas pelas autoridades competentes.

Nathália Gonçalves, advogada do L.O. Baptista Advogados, e da Cassia Monteiro, sócia do L.O. Baptista Advogados, para avaliação.

Disponível em: https://www.portaldoagronegocio.com.br/noticia/os-dois-lados-da-alienacao-fiduciaria-de-imoveis-rurais-em-favor-de-estrangeiros-195282

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