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Receita Federal é impedida de ter acesso aos dados de câmara arbitral sobre partes envolvidas em procedimentos arbitrais

Receita Federal é impedida de ter acesso aos dados de câmara arbitral sobre partes envolvidas em procedimentos arbitrais

31/8/2020

A confidencialidade é uma das principais características da arbitragem e da mediação. Nesses procedimentos, são discutidas informações sigilosas e estratégicas das operações das empresas envolvidas, as quais incluem, por exemplo, contratos, propriedade intelectual, tecnologias, dados de clientes e fornecedores, projetos e planos de negócios. Esses dados e a existência da própria disputa, se divulgados, podem impactar a relação das empresas envolvidas com os demais players do seu mercado, prejudicando seus negócios.

Apesar de a confidencialidade não estar expressamente prevista na Lei de Arbitragem (Lei no 9.307/96), ela está prevista no regulamento de arbitragem das principais instituições brasileiras (por exemplo, CAM-CCBC, CIESP/FIESP e CBMA) e pode ser prevista na cláusula compromissória inserida nos contratos. No caso da mediação, a confidencialidade está expressamente prevista no artigo 2o, VII da Lei de Mediação (Lei no 13.140/15).

De todo modo, ainda existem muitas discussões a serem enfrentadas sobre a confidencialidade. Entre os pontos mais discutidos na comunidade jurídica, estão os limites dessa característica, por exemplo: até que ponto (e quando) as arbitragens e as mediações envolvendo entes da Administração Pública devem ser públicas? Quais informações dos procedimentos podem ser fornecidas ao Poder Público para fins tributários?

Essa última questão foi recentemente alvo de análise pelo Poder Judiciário, que determinou que os centros de arbitragem e de mediação do Brasil não são obrigados a fornecer informações das partes envolvidas em procedimentos arbitrais e de mediação administrados por eles à Receita Federal.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (“TRF-2”) decidiu, em fevereiro deste ano, a favor do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (“CBMA”), em relação a pedido da Receita Federal do Brasil de fornecimento de documentos referentes às sentenças e aos acordos proferidos entre 2008 e 2011, além de informações sobre os honorários daqueles que contrataram o serviço de mediação ou de arbitragem da instituição.

Por maioria, decidiu-se que, apesar de os centros de mediação e arbitragem, como o CBMA, terem o dever de prestar informações e fornecer documentos relativos a sua condição de contribuinte, esse dever legal não abrange informações de terceiros, o que inclui sentenças ou acordos exarados nos procedimentos arbitrais e informações sobre os honorários pagos por aqueles que contrataram o serviço de mediação ou de arbitragem. Isso porque, além de o Regulamento de Arbitragem do CBMA garantir o sigilo de tais informações, não há previsão legal que substancie a pretensão do fisco, que deve se submeter ao princípio da legalidade estrita.

Segundo o TRF-2, há diversos outros meios para a Receita Federal realizar sua fiscalização tributária sem que sejam ultrapassados limites legais e constitucionais, como, por exemplo, requisitar às instituições financeiras dados bancários dos contribuintes de modo individual (o que é expressamente autorizado pela lei, no artigo 197, II do Código Tributário Nacional).

Nesse sentido, centros de mediação e arbitragem não são obrigados a (e, a depender dos termos contratados pelas partes, não devem) atender requisições da administração tributária no sentido de prestarem informações e entregarem documentos que dizem respeito a terceiros que, inclusive, contrataram a confidencialidade do trâmite de mediação ou arbitragem aos quais se submetem, não se admitindo que a Administração Pública viole essa garantia sem respaldo legal.

De todo modo, é importante ressaltar que, apesar de o resultado ter sido favorável à preservação da confidencialidade, esse entendimento não foi unânime. A opinião minoritária entende que a Receita Federal não queria obter as informações de terceiros por meio dos documentos requisitados, mas do próprio CBMA, e que a confidencialidade dos procedimentos não pode ser aplicada à Receita Federal, por se tratar de uma matéria afeita ao interesse público (e não a interesses privados), de modo que as informações deveriam ser fornecidas.

Autor: Giulia Spalletta

 

 

 

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