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As vantagens e armadilhas dos FIPs

As vantagens e armadilhas dos FIPs

Jota – Coluna do L.O Baptista Advogados
13.07.2018

As vantagens fiscais oferecidas fizeram com que os FIPs se tornassem veículo muito buscado para investimento

Por – João Vitor Guedes Santos e Camila Caçador Xavier

Crédito: Pixabay

O mercado de capitais constitui a força motriz da economia. Desperta grande interesse de investidores nacionais e estrangeiros, que aportam seus recursos em investimentos visando ao maior retorno líquido, de preferência com baixo risco e alta liquidez.  Em razão dos benefícios socioeconômicos que acarreta, o mercado de capitais desperta, ainda, a preocupação governamental, haja vista ser essencial que o Estado adote a política que melhor atenda às necessidades públicas da vez.

No Brasil, introduziram-se nas últimas décadas medidas regulatórias com o objetivo de intensificar a transparência jurídica nos mercados, as quais foram conciliadas com medidas fiscais visando ao crescimento ordenado e disciplinado dos investimentos internos e externos. Tais medidas fomentaram sobremaneira os investimentos em portfólio e, em especial, a aplicação de recursos em Fundo de Investimento em Participações (FIP), de modo a desenvolver a área de private equity.

Fundos de investimento representam a comunhão de recursos destinada à aplicação em carteiras diversificadas compostas por ativos financeiros de renda fixa ou de renda variável, conforme seus objetivos e política de investimento.

As vantagens fiscais oferecidas para residentes e não-residentes fizeram com que os FIPs se tornassem veículo muito buscado para investimento (e desinvestimento) em empresas brasileiras. A utilização de estrutura offshore para os investimentos em FIPs também tem ganhado relevância, pois pode maximizar ainda mais os ganhos para os investidores. No entanto, a complexidade trazida por tais veículos exige muitas precauções e cuidados.

A pergunta fundamental que se deve fazer previamente à implementação de estruturas com FIPs é se, de fato, do ponto de vista tributário, valem a pena.  Embora possam existir outros vetores não tributários em jogo, no cenário legislativo atual, a resposta não mais pode ser sempre assertiva, passando a depender cada vez mais da análise meticulosa das variáveis envolvidas.

O FIP não valerá a pena, por exemplo, se, cumulativamente, os investidores forem residentes e as participações detidas forem pagadoras de dividendos, uma vez que se estaria trocando a isenção sobre os resultados distribuídos, pela tributação de 15% hoje apresentada para rendimentos provenientes do FIP.

Ao revés, os ganhos decorrentes da alienação das participações detidas são tributados de forma mais benéfica numa estrutura com FIP detido por residentes (15%) do que se a pessoa física as alienasse diretamente, de acordo com as novas regras de tributação sobre ganhos de capital (alíquotas progressivas entre 15% e 22,5%, em função do valor do ganho auferido).

Atualmente, o cenário é mais vantajoso quando se está diante de investimentos efetuados por não-residentes. Cumpridos determinados requisitos, a utilização de estrutura com FIP traz muitas vantagens fiscais no sentido de afastar a tributação brasileira. É importante frisar que tais incentivos são aplicáveis não apenas a investimentos efetuados por estrangeiros ou brasileiros domiciliados no exterior, mas, também, por residentes que possuam estrutura offshore. Nestes casos, a existência de substância econômica e propósito negocial é fundamental, ainda mais quando se utiliza estrutura offshore em país cujo tratado de bitributação firmado com o Brasil confere incentivos fiscais para a repatriação dos recursos, a exemplo da Áustria.

Uma das armadilhas dos FIPs é a questionável e altamente discutível necessidade, inicialmente imposta apenas pela Receita Federal, e agora também trazida em lei ordinária (embora de forma não absolutamente clara), de avaliar a mercado as participações societárias aportadas ao fundo, com a tributação imediata dos ganhos acumulados.  A sedução de se poder “girar a carteira” desfazendo-se de participações sem qualquer tributação do ganho até o resgate, amortização ou alienação de quotas pode cair por terra, no caso de detenções societárias pré-existentes.

No ano passado, a publicação da Medida Provisória nº 806, de 30 de outubro (MP nº 806/2017), também causou grande alvoroço no mercado de capitais, ao alterar significantemente regras de tributação até então consolidadas para os FIPs.

Nos termos do artigo 2º, da Lei nº 11.312/2006, a tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) à alíquota de 15% sobre os rendimentos auferidos pelo FIP somente ocorre no momento do efetivo resgate das quotas, incidindo sobre a diferença positiva entre o valor de resgate e o custo de aquisição das quotas do fundo.  Trata-se de atrativa regra de diferimento tributário para o investidor do FIP, na medida em que impede que o imposto reduza os rendimentos auferidos em momento anterior ao resgate.

A MP nº 806/2017, no entanto, trazia importantes modificações nesta Lei, anulando justamente o benefício do diferimento da cobrança do IRRF nestes casos. De acordo com a nova redação que seria atribuída à legislação de regência, para fins de apuração do imposto, os ganhos obtidos pelos FIPs na alienação de qualquer investimento seriam considerados distribuídos aos cotistas, independentemente do tratamento previsto no regulamento a esses recursos.  A referida medida, portanto, impedia reinvestimentos dos ganhos pelo FIP com diferimento na tributação, estabelecendo o recolhimento do imposto de forma imediata à obtenção do ganho.

Além disso, a MP nº 806/2017 também determinava que os FIPs não qualificados como “entidade de investimento” de acordo com a regulamentação estabelecida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estariam sujeitos à tributação aplicada às pessoas jurídicas em geral.

As regras da CVM, em especial a Instrução CVM nº 579/2016, trazem diversos requisitos para a qualificação de FIPs como entidades de investimento.  Alguns deles são mais genéricos, tais como a mensuração de avaliação do desempenho de seus investimentos, para fins de modelo de gestão, com base no valor justo; o compromisso com os investidores de investir os recursos unicamente com o propósito de retorno através de apreciação do capital investido, renda ou ambos; etc.

Outros, porém, soam mais específicos, como a necessidade de possuir mais de um investimento, direta ou indiretamente; ter mais de um cotista, direta ou indiretamente, ter cotistas que não influenciam ou não participam da administração das entidades investidas ou não sejam partes ligadas aos administradores dessas entidades; e possuir investimento em entidades nas quais os cotistas não possuíam qualquer relação societária, direta ou indiretamente, previamente ao investimento do fundo.

A quantidade de requisitos trazida pelas normas da CVM e a possibilidade de desclassificação dos FIPs como entidades de investimento para sua equiparação a pessoas jurídicas claramente aumentaria a arrecadação por parte do Fisco federal. A administração do fundo deveria aplicar a carga ordinária das empresas aos FIPs que não atendessem aos requisitos expostos acima. Caso tais regras não fossem estritamente observadas, estar-se-ia diante de interessante tema para fiscalização pela Receita Federal, com a possibilidade de constituição de autos de infração com relevantes valores.

Desde 2016, a Receita Federal tem dado especial atenção aos fundos de investimento em suas fiscalizações, conforme divulgado nos próprios Planos Anuais de Fiscalização 2016 e 2017, que incluía entre as operações-foco o “Planejamento Tributário Envolvendo Fundos de Investimentos em Participações (FIP)”. Caso a MP nº 806/2017 tivesse sido convertida em lei, os principais benefícios fiscais almejados pelos investidores cairiam por terra e, além da onerosa tributação, eventuais autuações seriam acompanhadas de multas e juros.

Embora a Medida Provisória nº 806/2017 não tenha sido convertida em lei, é importante considerar os efeitos de possíveis desdobramentos, caso seja apresentado projeto de lei com conteúdo similar, que podem tornar ainda mais desaconselhável a manutenção de estruturas com participações societárias detidas por meio de FIPs.

As abruptas possíveis alterações na sistemática de tributação dos fundos podem vir a frustrar os investidores que possuíam perspectivas de eficiência fiscal.  A criação de regras que alteram completamente a tributação vigente no momento da constituição dos fundos – como aquelas que instituíram a tributação sobre dividendos, ou as regras que anulariam o diferimento do IRRF e a possível equiparação dos fundos a pessoas jurídicas, trazidas na MP nº 806/2017 não convertida em lei – demonstram que os FIPs devem ser constituídos com ainda mais cautela.

Tal como as roupas de grife, os FIPs se amoldam não apenas aos interesses de pessoas com altíssimos níveis de recursos, sendo cada vez mais utilizados de forma disseminada. Do mesmo modo, eles nem sempre têm bom caimento, sendo essencial a busca de soluções personalizadas.

JOÃO VICTOR GUEDES SANTOS – Sócio do L.O. Baptista Advogados
CAMILA CAÇADOR XAVIER – Advogada do L.O. Baptista Advogados

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