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Como definir a melhor estrutura de investimentos para uma startup

Como definir a melhor estrutura de investimentos para uma startup

Jota – Coluna do L.O Baptista Advogados
09.02.2018

É vital que os termos do investimento sejam pactuados em um contrato escrito com clareza e objetividade

Por – Alessandra Fortes Lobo

Por – Renata Castro Veloso

Como empresas em estágio inicial não têm um histórico de crédito sólido e seu valor não é facilmente apurável, a comum via do empréstimo bancário não costuma ser uma opção viável para startups que precisam levantar capital. Assim, um dos maiores desafios de uma startup é conquistar investidores que acreditem no potencial da empresa e que estejam dispostos a aportar o capital necessário para tirar a ideia do papel ou para alavancar a operação.

Não bastasse a preocupação com a captação de recursos, a reflexão sobre a formatação desse investimento também é um exercício fundamental para garantir o sucesso da parceria com o investidor. Nesse sentido, é essencial definir uma estrutura de financiamento que ofereça segurança jurídica para os investidores e, ao mesmo tempo, não onere excessivamente a empresa ou prejudique o desenvolvimento de suas atividades.

E o primeiro passo para uma decisão acertada quanto à estrutura de investimentos é entender que os recursos recebidos podem assumir duas naturezas: ou são convertidos em participação societária, isso é, em equity, ou passam a representar uma dívida da empresa para com o financiador.

No caso do equity, em contrapartida aos recursos aportados, o investidor adquire participação societária direta na startup, tornando-se sócio pela emissão de novas ações de uma sociedade anônima ou quotas de uma sociedade limitada.

Uma característica importante do investimento por aquisição direta de participação societária é que a startup passa a ter um novo sócio para compartilhar os lucros e os riscos do negócio com os empreendedores fundadores. Por essa razão, visando potencializar o retorno ao investimento feito, é comum que os investidores queiram participar ativamente da gestão da empresa, manifestando-se (e não raro, com poder de veto) em questões estratégicas para a evolução da startup. Direitos e deveres dos sócios são regulados em Acordos de Sócios.

A participação do financiador como sócio da startup pode ser uma grande vantagem se, além do capital, o investidor também oferecer acesso a contatos, potenciais parceiros de negócio / clientes e mentoria para o desenvolvimento da empresa. Mas, se por um lado, a intervenção de um investidor experiente pode contribuir para o crescimento da empresa, por outro, a participação de um investidor inexperiente, ou de trato complicado, pode dificultar a tomada de decisões e colocar em risco a sobrevivência da startup. Para evitar que atritos com o investidor prejudiquem a empresa, os contratos de investimento e os Acordos de Sócios firmados nessa modalidade podem (e devem) incluir cláusulas e mecanismos que permitam o prosseguimento das atividades da startup mesmo em caso de conflito com o novo investidor-sócio.

Já no caso do investimento estruturado em forma de dívida, a compensação do investidor pelo aporte de capital é feita por meio de títulos de dívida conversíveis em participação societária em momento futuro, as chamadas convertible notes. Nessa estrutura a startup emite um título no valor da dívida com o investidor e esse título poderá ser convertido em participação societária (equity) na startup caso a dívida não seja paga no vencimento.

O investimento via convertible notes funciona, para uma startup organizada na forma de sociedade anônima, como uma espécie de debênture conversível em ações, na qual o investidor poderá optar por converter o valor do título em ações da companhia ao final de um prazo previamente determinado (art. 57 da Lei das S/A). De modo semelhante, as convertible notesemitidas por sociedades limitadas podem ser convertidas em quotas da startup ao seu termo. A título de exemplo, uma startup Ltda. pode estruturar a operação de financiamento por convertible note na forma de mútuo conversível em participação societária.

Ao contrário do equity, no caso de aporte de capital via convertible note, enquanto o título emitido não for convertido em participação societária, o investidor não tem, salvo estipulação em contrário, o direito de participar das decisões ou qualquer ingerência na gestão da startup. Embora as partes possam negociar uma participação mais ativa do investidor no dia-a-dia da startup, a estrutura do financiamento na forma de convertible notes é bastante usada para proteger os interesses daquele investidor que não pretende assumir diretamente os riscos do negócio ou comprometer-se com a gestão da empresa.

Além do equity e das convertible notes, um terceiro mecanismo de estruturação de financiamento foi desenvolvido por aceleradoras com atuação no mercado norte-americano, com o objetivo de substituir as convertible notes: o sistema de convertible equity.

Enquanto as convertible notes exigem que a startup pague o valor da dívida pelo capital investido adicionado aos juros e correção monetária dentro do prazo estipulado quando da emissão do título, o mecanismo de convertible equity não estabelece um prazo específico para pagamento da dívida e a startup não precisa se preocupar com situações de insolvência e em pagar os juros sobre o valor recebido a título de investimento.

As duas formas mais comuns para se estruturar o financiamento como convertible equity são os modelos de SAFE (Simple Agreement for Future Equity) e KISS (Keep it Simple Security).

O modelo SAFE, criado pela aceleradora Y Combinator, nada mais é que um documento contratual simples e objetivo estabelecendo os principais termos e condições que regerão o investimento na startup. A ideia por trás desse documento mais simples é evitar que as partes percam muito tempo e dinheiro negociando diversos termos contratuais. Ao invés de estipular um prazo determinado para quitação da dívida, o SAFE estabelece que, em retorno ao capital investido na empresa, o investidor terá o direito de receber equity na ocorrência de determinado evento futuro, como a ocorrência de uma rodada de financiamento por equity.

A substituição do termo para pagamento da dívida por uma previsão de conversão do título emequity na ocorrência de um evento futuro é vantajosa no sentido de evitar que, na data do vencimento, a empresa se descapitalize ou até mesmo se depare com a situação de não ter caixa suficiente para quitar as obrigações assumidas junto ao investidor. No entanto, os SAFE também têm desvantagens ao empreendedor e investidor: a startup assume com o investidor o compromisso de emitir equity na próxima rodada de financiamento (ainda que os termos não lhe sejam favoráveis); e o investidor conviverá com a insegurança acerca do momento em que essa próxima rodada de financiamento ocorrerá. É exatamente essa insegurança quanto à previsão de retorno ao investimento que o modelo KISS, elaborado pela aceleradora 500 Startups, pretende mitigar.

O mecanismo KISS, que pode ser estruturado tanto na forma de dívida quanto no modelo deequity, é um modelo híbrido de financiamento que se aproxima da metodologia proposta pelo SAFE, mas mantém a abordagem mais favorável aos investidores típica das convertible notes. Nesse sentido, o que o KISS propõe é amenizar a incerteza do investidor quanto ao momento do retorno ao investimento por meio de instrumentos como termo de maturidade para conversão do título em equity. Por exemplo, ao invés de vincular a conversão do título apenas à ocorrência de uma futura rodada de equity, o título KISS pode estabelecer prazo de maturidade de 18 meses para conversão em participação societária ou futura rodada de equity, o que acontecer primeiro.

Apesar de conferir mais segurança aos investidores, o modelo KISS de financiamento, por sua aproximação com as convertible notes, tem desvantagens semelhantes ao modelo de financiamento por dívida conversível, incluindo a necessidade de negociação mais intensa dos termos do financiamento e o risco de não haver caixa para quitar a dívida na data de maturidade do título KISS.

Identificar a estrutura de financiamento adequada para cada empresa e para cada fase do negócio é uma tarefa complexa, de difícil decisão. Como todos os modelos de financiamento apresentados têm pontos positivos e negativos, a adoção de um ou outro depende da análise de diversos fatores, tais como o estágio de evolução da startup, o histórico quanto a investimentos anteriormente já recebidos, a organização societária da empresa (tipo societário e distribuição do capital (%) entre as partes envolvidas), a reputação e o perfil do investidor e o volume dos investimentos pretendidos. Não existe uma única opção correta, mas, qualquer seja a estrutura escolhida, é vital que os termos do investimento sejam pactuados em um contrato escrito com clareza e objetividade, para que eventual turbulência na relação com o investidor não coloque em risco a sobrevivência da startup.

Alessandra Fortes Lobo – Advogada do L.O. Baptista
Renata Castro Veloso – Advogada do L.O. Baptista

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