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Especialista fala sobre Acordo aprovado em decreto legislativo, nesta semana, que visa a eliminar procedimentos aduaneiros complexos e pouco transparentes

Especialista fala sobre Acordo aprovado em decreto legislativo, nesta semana, que visa a eliminar procedimentos aduaneiros complexos e pouco transparentes

Sem Fronteiras
10/03/2016

O Decreto Legislativo nº 1, publicado no Diário Oficial da União de 7 de março deste ano, aprovou o texto do Protocolo de Emenda ao Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio, relativo ao  Acordo sobre a Facilitação de Comércio, adotado pelos Membros da OMC na IX Conferência Ministerial, realizada em Bali, Indonésia, em 7 de dezembro de 2013.

Com o propósito de superar barreiras administrativas ao comércio, o Acordo tem entre seus desafios tornar mais ágil a circulação, a liberação e o despacho aduaneiro de bens, inclusive daqueles em trânsito. Para tanto, cada membro assume o compromisso de publicar imediatamente as informações sobre procedimentos para importação, exportação e trânsito, formulários e documentos exigidos, alíquotas, tributos e quaisquer taxas e encargos, bem como leis, regulamentos e decisões administrativas de aplicação geral relacionados a regras de origem, restrições ou proibições, entre outras rotinas definidas para o fluxo adequado das operações.

A divulgação dos dados deve ocorrer de maneira não discriminatória e facilmente acessível, a fim de permitir que governos, comerciantes e demais interessados possam conhecê-los.

O Acordo poderá levar à redução dos custos comerciais e gerar aumento nas exportações globais. No Brasil, a criação do Portal Único de Comércio Exterior pode ser considerada um dos efeitos do AFC, segundo a advogada especialista em comércio internacional, Cynthia Kramer.

Em entrevista para o Sem Fronteiras, Cynthia disse que uma das expectativas do AFC é evitar prejuízos decorrentes da ineficácia das autoridades aduaneiras sobretudo dos países em desenvolvimento. A seguir, a entrevista com a especialista.

Quais as características do Acordo sobre a Facilitação do Comércio da OMC?

O Acordo sobre a Facilitação de Comércio da OMC (AFC) tem por objetivo simplificar e agilizar os trâmites aduaneiros (importação e exportação), com vistas a incentivar o comércio mundial. Está dividido em três seções, sendo que a primeira traz regras sobre publicação e divulgação de informações, taxas e multas, desembaraço de mercadorias, cooperação aduaneira e liberdade de trânsito. A segunda seção cria categorias nas quais as obrigações do AFC devem ser classificadas, com o intuito de dar tratamento especial e diferenciado para os países menos desenvolvidos (prazos maiores para cumprir a obrigação), e a terceira trata do comitê permanente criado para acompanhar a implementação do acordo pelos Membros da OMC.

Que mudanças diretas ele impõe para o comércio internacional?

O AFC busca harmonizar as regras que devem ser observadas por todos os Membros da OMC quando se busca importar ou exportar um bem. O AFC exige transparência nos regulamentos aplicáveis, para que exportador/importador tenham previsibilidade, inclusive quanto aos prazos que uma mercadoria levará para ser desembaraçada. Caso os trâmites/prazos não sejam observados, o país ficará sujeito a questionamento perante a OMC por parte do país que se sentir lesado. Com isso, espera-se que o comércio internacional se torne mais ágil e previsível, evitando prejuízos não raros que decorrem da ineficácia das autoridades aduaneiras sobretudo dos países em desenvolvimento (para os quais foi dado um prazo maior de implementação, tendo em vista os investimentos necessários para sua implementação).

Que fatores permitiram a aprovação do Acordo na Conferência Ministerial, realizada em Bali, Indonésia, em dezembro de 2013, de forma destacada da Rodada Doha?

A Rodada Doha foi lançada em 2001 com o intuito de esclarecer e aprimorar os acordos firmados em 1994 pelos Membros da OMC na Rodada Uruguai. De fato, todos os temas do mandato de Doha são negociados em conjunto (princípio do single undertaking), o que significa que devem ser acordados/fechados pelos negociadores ao mesmo tempo. Esse princípio visa a possibilitar que um Membro aceite fazer concessões em um tema para obter benefícios em outros temas. Facilitação de comércio passou a ser um tema de discussão na OMC somente em 1996, após a Conferência Ministerial de Singapura. Por isso, está destacada da Rodada Doha. Em julho de 2004, foram oficialmente abertas as negociações de Facilitação de Comércio (Grupo Negociador), com vistas a aprimorar os Artigos V, VIII e X do GATT, os quais tratam, respectivamente, de liberdade de trânsito, taxas e formalidades na importação e exportação, e transparência.

Como o Acordo pode favorecer o Brasil? Que benefícios imediatos ele implica?

O AFC pode favorecer o Brasil ao harmonizar os trâmites aduaneiros a serem adotados por todos os Membros da OMC (inclusive importadores dos produtos brasileiros), o que trará previsibilidade e provável aumento das nossas exportações. Os países ficarão obrigados a agilizar os prazos de desembaraço. O setor privado será, certamente, o primeiro a sentir os benefícios, e o setor público brasileiro terá de investir e trabalhar para que os compromissos sejam cumpridos e não haja demora no desembaraço dos produtos no Brasil.

É possível destacar as mudanças já em curso no País pensadas com base no Acordo?

Sim, o Portal Único de Comércio Exterior foi implementado tendo em vista que o Brasil tinha firmado o AFC em 2013 em Bali, e o AFC traz o compromisso da single window, ou seja, interface única entre setor privado e público para que não sejam necessários trâmites concomitantes perante diversos órgãos anuentes. Porto Sem Papel é outra iniciativa do governo federal que tem por objetivo simplificar os trâmites. Programa de Operador Econômico Autorizado (OEA), Linha Azul, ou também conhecido como Despacho Aduaneiro Expresso, também são ferramentas que visam a agilizar o desembaraço, em consonância tanto com a OMA (Organização Mundial das Aduanas) como com a OMC.

Que mecanismos do Acordo podem contribuir na prevenção e combate a delitos aduaneiros?

O Artigo 8 do AFC trata de cooperação entre as agências de fronteira, mas não traz nenhum mecanismo específico por meio do qual essa cooperação deva ser realizada, com vistas a prevenir e combater delitos aduaneiros. O Artigo 12 do AFC trata de cooperação aduaneira e impõe a obrigação de um Membro disponibilizar a outro, mediante solicitação, algumas informações e/ou documentos relativos a declarações de importação ou exportação específicas. Esperamos que as ferramentas sejam usadas pelos Membros para prevenir e combater, por exemplo, o contrabando e o descaminho. O Paraguai, que também é Membro da OMC, acaba de ratificar – em 1º de março p.p. – o AFC  perante a OMC. Quem sabe o Brasil consiga usar o AFC e exigir cooperação do Paraguai? É algo a ser pensado.

Quais os passos até a efetiva adoção do Acordo? Quanto tempo pode levar?

O Projeto de Decreto Legislativo nº 244/2015 passou em 18 de fevereiro de 2016 pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Em 3 de março p.p., o Projeto de Decreto Legislativo (SF) nº 6/2016 passou pela aprovação da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. Em 7 de março p.p. o Decreto Legislativo nº 1/2016, com a promulgação do presidente do Senado, foi publicado no Diário Oficial da União. O Decreto Legislativo é ato privativo do Congresso Nacional, que, nesse caso, visa a validar a assinatura de um tratado internacional pelo Poder Executivo. Portanto, não há mais passos necessários para sua efetiva adoção e aplicabilidade no território brasileiro. Agora, o Brasil precisa notificar a OMC. A validade do AFC em âmbito internacional ainda depende da aprovação e notificação por parte de outros países.

Conforme estabelecido no Acordo Constitutivo da OMC, o Acordo entra em vigor quando dois terços dos membros manifestarem sua aceitação ao Protocolo de Alteração. Essa disposição já foi cumprida?

Não, essa disposição ainda não foi cumprida. A OMC tem 162 Membros, o que significa que 108 Membros precisam concluir o processo interno de aprovação e notificar a ratificação à OMC. Até a presente data, aproximadamente 70 países concluíram essa etapa, entre eles EUA, União Europeia, Austrália, China e Japão. Da América do Sul, apenas Guiana e Paraguai.

Disponível em: http://semfronteiras.com.br/?p=694

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